domingo, 3 de maio de 2009

Boteco da LuMa


Tenho fixação por comidas de boteco. Sobretudo os aperitivos que requer as mãos, e não os talheres.

Quando ainda vivia em São Paulo, havia um boteco autêntico ao lado do meu local de trabalho. De um cearense arretado, chamado Lula. Não desses botecos pseudo-pés-sujos, mas originalmente sujinho. Balcão de fórmica, flâmulas de time no azulejo, banheiro sem o trinco na porta e frequentado por uma fauna urbana indecifrável. Carregadores, desempregados, biscateiros mas também personagens dignos de contos de Plínio Marcos.

A Lula não faltava o pano de prato(sujinho) pendurado sobre o ombro, nem uma Bic enroscada na orelha. Não que precisasse escrever algo, mas era o seu look diário.

Um frequentador de meia-idade, em especial, trazia sempre um ramo de arruda na orelha. Dizia que era para espantar o "olho-gordo". Chinelinho de dedo, bermuda, e no corpo, uma camiseta-brinde surrada, de algum vereador. Possuía também uma Kombi enferrujada, com a qual fazia fretes. Eu me perguntava quem pudesse ter olho-gordo por ele, mas cada qual com suas obsessões.

No bar do Lula, eu também tinha uma obsessão. A de querer experimentar uma fatia de fígado de boi assado com cebolas, que ao meio-dia, pontualmente, ele servia ao pessoal do frete de mudanças. Os peões não deixavam passar um minuto sequer do horário de direito.

Se sentavam para comer a fatia de fígado - já preto e ressecado, com crostas duras por toda a superfície engordurada - , servida com fatias de pão francês. Depois, os homens terminavam a refeição quebrando os ovos cozidos - amarelo, pink e vermelho - , brigando com o saleiro sobre o balcão. "Bota uns grãos de arroz crú no saleiro, Lula!", dizia eu, manifestando a minha indignação feminina, mas ele não gostava de mudanças e nem de inovações.

Meus amigos de trabalho me impediam de fazer o mesmo. E até hoje, carrego essa frustração, de nunca ter provado o fígado do bar do Lula. Mesmo que isso tivesse me custado uma internação por infecção intestinal.

Hoje, fiz comida de boteco em casa. O clima não é o mesmo, claro. Me falta o país. Por inteiro.

Mas vale a nostalgia. Aí vai a lista do que fiz: abobrinha grelhada, temperada com alho e azeite; batata gratinada com queijo; bruschetta; berinjela assada com gengibre e shoyu; oniguiri assado; carne de porco temperada com gengibre à milanesa e uma garrafa de vinho Vermentino di Sardegna regando tudo.

10 comentários:

Adrina disse...

Quero frequentar esse seu boteco aí.

KS Nei disse...

Yeah! Os melhores botecos são os piores.

Unknown disse...

Ei Luma!!!
Literalmente viajei nas suas descrições.
Cheguei a senti o cheiro do café misturado ao do cigarro de palha. Coisas das minhas andanças pelo Brasilzão...

Acho que vou te plagear pois os pimpolhos estão de volta até depois de amanhã.(A Eri terminou o mestrado e está trabalhando em Toquio e o Eissuke fazendo agronomia em Morioka, Iwate)

Beijos

LuMa disse...

Adrina: O boteco fica meio distante, mas vale a pena vir. Seja bem-vinda!

Nei: Os sujinhos são nossos patrimônios! É o nosso ágora grego, a nossa praça romana!

Hissahe: A gente só pode ouvir rádios AM nos botecos, e de manhã, boteco esperto bota na Jovem Pan AM. Lembra do jingle "Vão bora vão bora, olha a hora, vão bora..."! Menina, a Eri já terminou o mestrado! Eu meço a minha passagem do tempo, rugas e pés-de-galinha através destas pessoinhas, hummm... Arregaça as mangas e começa a preparar, e deixa um tiquinho pra mim! beijos!

Anônimo disse...

Luma, tbém adoro um Boteco, quando o Marco bebia a gente sempre procurava um mas aqueles bem boteco mesmo, que a gente costuma chamar tbém de Boteco do Pé Inchado(beldos que não saem do boteco e de tanto beber ficam com o pé inchado.Tinha um em Caraguá que estava escrito bem na frente," Tome o seu primeiro gole no bar do seu Mané"sem esquecer os petiscos, como coxa de frango frito, pedaços de pururuca, carne de sol etc Gostei do visual da sua comidinha de Boteco, bjussssss

Anônimo disse...

aqui tem uma rua batizada de 'rua do guspe' porque só tinha boteco dos dois lados. a modernização pegou no pé e esses botecos sumiram, mas ainda tem um ou dois em outros pontos da cidade...

[yaki onigiri, iei!! muitopom!]

LuMa disse...

Rê: Hummm...carne seca e pururuca, babei no teclado... Pra completar o ambiente, a rádio tem que estar ligada na AM, com musiquinha do tipo Odair José. Ah, e não pode faltar a sardinha escabeche enroladinha, com cebola e salsinha no potão!

Batatinha: "Rua do Guspe" já superou a minha fantasia! Yaki-oniguiri é túdibom, e se tiver um ume dentro então!

Paola disse...

Comida de Boteca, de uma japonesa na Itália?
Coisa única!

Deu água na boca!

Beijo

PAola

LuMa disse...

Paola: O estômago fala mais alto. Comidinha nipo-ítalo-brasileira, porque não me contento com apenas um tipo!

Rackel F. F. Tambara disse...

Luma, viajei neste boteco. Deu uma vontade danada de fazer a abobrinha grelhada. O Vinho será made in Brazil, para acompanhar este vento uivante que entra pelas frestas e o mar ressacado, lá ao fundo. Bjs.