domingo, 28 de março de 2010

Goya e as dores do mundo

Goya, da série "As Dores do Mundo"
Não há como permanecer impassível diante da ferida aberta e lancinante das guerras retratada por Goya há 200 anos sem nos trazer de volta à estupidez humana da realidade imediata. Apenas em 2008, foram computados na triste estatística da ONU nove guerras e 130 conflitos no mundo. As lúgubres e cinzentas pinceladas de Goya não nos bastaram. Suas pinturas, porém, continuam a denunciar nossas brutalidades.

É com esta sensação - entre resignação e cumplicidade - que saí da mostra milanesa Goya e o Mundo Moderno, cujo fio condutor traz uma profunda análise da violência humana deixada por Goya como um atormentado legado aos pintores modernos. Sua obra é uma referência não apenas temática, mas também estilística, a delinear a arte dos séculos 19 e 20. É dela que se nutriram os impressionistas, expressionistas, simbolistas e surrealistas.

A mostra percorre cinco sessões da trajetória do artista ao lado de outros célebres. Como pintor iniciado nos ambientes da corte, se confronta com J.L. David, Delacroix e Soutine, para seguir a temática cotidiana ao lado de obras de Victor Hugo, Kirchner, Daumier e Grosz. Sucessivamente segue o tema Cômico e Grotesco, no qual Goya retrata os absurdos e ironias da vida moderna, que mais tarde, iluminarão as obras de Picasso, Miró e Klee.



Obra "Não somos os últimos", do pintor esloveno Zoran Music.
Mas é na penúltima e mais importante sessão, a da Violência, que encontramos o atormentado Goya, já na fase em que não apenas a invasão napoleônica como a doença da surdez progressiva o afligem. Aqui, dezenas de suas gravuras negras que retratam a série As Dores de Guerra, acompanham obras de Dalí, Music, Guttuso e Picasso. Deste último, não podia faltar a obra "A Mulher que Chora" e "Mulher com o Filho Morto".

A mostra fecha com a sessão batizada de O Grito, e não haveria tradução melhor para completar suas expressões. A partir da obra "Nada. Isso diz", os sujeitos já são deformados pelo terror e a dramaticidade é seguida por obras de Bacon, Pollock, Appel, Kiefer, Giacometti e Saura, - este, um contemporâneo de Ensor e Munch.

A mostra no Palazzo Reale de Milão prossegue até dia 27 de junho. Vê-lo isoladamente nos museus de Madrí, Zaragoza ou esparsos pelo mundo é sempre uma experiência valiosa. Mas vê-lo lado-a-lado com os pintores heredes de seus gritos o eco se faz mais forte.


quinta-feira, 25 de março de 2010

Dia da caça


Não pude evitar um meio-sorriso com esta notícia da BBC Brasil, sobre o incidente ocorrido no Parque Nacional de Kruger, na África do Sul.

Que venham mais dias da caça ao de caçador.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Visitantes de pena


Faz algumas semanas que acordo em plena madrugada, com cantos de pássaros que vieram viver ao lado da janela do meu quarto, onde uma imensa magnólia abriga todos os anos um alegre minicondomínio ornitológico.

Nada fora do calendário natural - já que a primavera começou oficialmente ontem - , nao fosse o insólito fato que começam a cantar já por volta de duas ou três da madrugada, um fenômeno jamais notado em anos anteriores. Serão vítimas do engano ótico, provocado por iluminações urbanas ou inusitadas mudanças climáticas a subverter a evolução e o ciclo natural destes insones.

Segundo uma rápida consulta no site da Liga Italiana de Proteção aos Pássaros, uma das mais combativas associações no campo ambiental junto ao Bird Life International Europe, algumas espécies diminuíram cerca de 40 a 60% do território nacional em apenas dez anos.

Eu mesma já os coloquei em risco anos atrás, ao colocar pedaços de maçã à beira da janela, com expectativa de atrair mais passarinhos ao minicondomínio, mas desistí rapidamente. Possuo uma guardiã felina que passa a inteira estação a fazer birdwatching por trás da janela. Com a janela devidamente fechada, espero atraí-los sem artifícios este ano. Apenas com o silêncio.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Pesos e medidas


Nada melhor que acordar e ler, logo de manhã, a sempre lúcida interpretação dos fatos como esta, de Hélio Schwartsman, colunista da Folha. Melhor que esta, só dois Schwartsmans. Não me ocorre acrescentar nem menos uma vírgula a este texto.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Ferlinghetti, tão longe, tão perto

Lawrence Ferlinghetti, escritor, editor, poeta e pintor

Não conheço San Francisco, infelizmente. Mas, se tivesse que atravessar o Atlântico para conhecer a cidade, certamente iria - quase exclusivamente - , para entrar na livraria e editora City Lights Bookstore, de Lawrence Ferlinghetti, poeta, editor e amigo de tantos escritores da beat generation que já se foram.

Neil Casssady e Jack Kerouac

Não fosse ele, não teríamos conhecido Kerouac, Ginsberg, Burroughs, Neil Cassady e tantos outros que fizeram sonhar a geração brasileira na primeira metade dos anos 80, com suas transgressões literárias, devoradas por nós como pipocas no cinema. Tempos em que - mesmo com algumas décadas de atraso com relação a outros países - , editoras como Brasiliense e L&PM presentearam o mercado editorial com a novidade literária e seus escritores colaterais - John Fante, J.D. Salinger, Bukowski, entre outros. Méritos então de Leminski, Pepe Escobar, Matinas Suzuki Jr, Claudio Willer e tantos outros tradutores e resenhadores da Folha.

San Francisco está longe para mim, mas Roma está próxima. O Museu de Roma, no bairro de Trastevere, está exibindo até o dia 25 de abril a mostra "Lawrence Ferlinghetti - 60 anos de Pintura", do editor que hoje está com mais de 90 anos de idade. Literatura e pintura sempre estiveram lado a lado para este remanescente -,talvez o último beatnik, ainda ativo.

Segundo as resenhas que li, a mostra traz pinceladas que começam com 1947, ano em que Marcel Duchamp e André Breton organizaram a Exposição Intermacional de Surrealismo, cujo estilo - com toque de Mirò e Tanguy - o influenciou nos primeiros traços, até chegar ao expressionismo onírico de Chagall.

Pessoalmente - se poderei ir até Roma pela mostra - , gostaria de ver a representação de "The Death of Neil Cassady", sobre a morte do escritor-símbolo da beat generation, co-protagonista e amigo de Kerouac no "On The Road".

Quem sabe, suas pinturas poderão me reacender como facho de transgressão estes tempos apáticos e ordinários.

sábado, 13 de março de 2010

A Voz


Como não sucumbir à voz entorpecente de Dinah Washington num sábado apático como este, sem evocar fortes emoções? Vale paralisar tudo para ouvi-la, aqui

sexta-feira, 12 de março de 2010

Pudim


Numa idade semicrepuscular - digo, "quase" a segunda idade, por não encontrar algum eufemismo - , a vaidade feminina não se apaga por completo. Rímel, batom, perfuminho de boa qualidade e até barriguinha "quase" lisa com o respiro contido são sempre válidos. As pequenas imperfeições a gente deixa pra lá. Mas não há como fechar os olhos para a gula. E todas as teorias anteriores vão por água abaixo.

Fiz esse pudim de leite condensado seguindo fielmente a receita que continha na lata, enquanto aguardo algum texto médio - vá lá, medíocre, que já está de bom tamanho - me venha em mente para publicá-lo decentemente neste blog, tomado neste momento pelo "branco total". Na falta de assunto, publico esta foto para quem queira prová-lo.

A minha gatinha, que gosta de doces, delicadamente refutou o convite dizendo que está em dieta. Cheirou, fingiu que parece bom e foi para a cestinha dormir. Como sou anticonsumista e não gosto de jogar nada fora, o pudim está aí. Servidos?

quinta-feira, 11 de março de 2010

Deu branco

Abrimos uma conta blog-trincheira para disparar contra os males do nosso mundinho, espairecer a cabeça ou jogar nosso milésimo de segundo de frustrações no etéreo de milhões de gigabytes, esperando que isso resolva nossos desencantos.

Mas há dias em que dá branco. Branco-Omo. Nem desencanto e nem euforia aplaca a apatia. Dias assim, melhor deixar algum texto válido para depois.

Acho que mergulhei demais no universo irlandês. Daqui a alguns dias passa.

domingo, 7 de março de 2010

Joyce e outros dublinenses


Será o forte vento que desnuda seus campos ou o frio que castiga a terra insular, mas o fato é que qualquer tentativa de descrever a fascinante Irlanda num único post encerraria uma imperdoável profanação à sua cultura.

E o que dizer dos literatos que nasceram neste berço maltratado pela natureza e por divisões políticas e religiosas, reduzidos nestes dois parágrafos e meio em meras ilustrações? A consciência não me permite fazê-lo, mas o tempo e o espaço são estes. Afinal, sua cultura produziu quatro prêmios Nobel de Literatura - William Butler Yeats, George Bernard Shaw, Samuel Beckett e Seamus Heaney - e outros tantos escritores como James Joyce, Oscar Wilde, Jonathan Swift, Bram Stoker, Sean O'Casey ou Oliver St John Gogarty numa imensa lista de nomes universalmente notos e menos notos.

Fica aqui apenas um banalizado registro digital destes últimos dias de inverno.
Estátua de Oscar Wilde no Merrion Square em Dublim, localizada em frente à própria residência, hoje ocupada pela Irish American University.

Ingresso de James Joyce Centre, onde viveu um extravagante professor de dança, Denis J. Maginn (citado como Maginni em Ulisses) que sedia mobiliários do escritor e fotos de personagens reais que o inspiraram nas citações da mesma obra.

Quarto de James Joyce, sempre no centro cultural acima.

Museu de Escritores de Dublim. Desnecessário citar a longa lista irlandesa.


Trinity College, fundado em 1592 por Elizabeth I, onde estudaram Samuel Beckett, Oscar Wilde, James Joyce, Bram Stoker, Jonathan Swift, entre outros.

Mural de grafite-protesto pelos direitos civis em Belfast, Irlanda do Norte. O conflito entre protestantes e católicos continua.


Penhascos de Moher no condado de Clare, na costa atlântica, se estendem por 8 quilômetros, cujo desfiladeiro mais alto mede 214 metros de altura.

Vilarejo de Doolin, no condado de Clare, na costa atlântica.