segunda-feira, 22 de junho de 2009

Boteco da LuMa - "Volto já!"

O boteco está de viagem nesta quarta. Parte para buscar inspirações na fonte. Lá onde o prazer gustativo se alia ao perene cheirinho da Marginal e do escapamento de um Bandeira-Santo Amaro. E onde sabores e odores só se completam ao som de Beethoven - a Bagatelle in A minor - , magistralmente executado pelo caminhão do Seu Edicleyton, o entregador de gás. Ambiciono voltar de lá com um MBA no assunto.


Enquanto isso, permanecem estas fotos de domingo, feitas na última cidade italiana de Valtellina, a caminho de St Moritz, na Suíça. Comida de taberna é sempre abundante, como a de botecos. E tem o toque de conforto doméstico na toalha de mesa xadrez. Faltou um tirolês tocando sanfona, mas quem liga? O menu completo?

* Tábua de frios ( presunto cru, bresaola, salame e coppa)
* Cogumelos Porcini
* Cebola agridoce
* Nhoque na manteiga, queijo e sálvia
* Grelhados de costelinha, linguiça, batata e polenta

E agora, com licença, devo fechar o caixa e deixar o boteco limpinho pra quando eu voltar.

"Gente, alguém pegou o Pinho Sol que deixei em cima do balcão?"

domingo, 21 de junho de 2009

Feliz natal junino!


Manhã de ontem, sábado, dia 20 de junho. Cena real.

Naquela longa e desordenada fila de supermercado, apenas um celular tocou, o que por si já foi um fato insólito. Era de uma senhora chinesa. E com um som inequivocável.

"Jingle bell, jingle bell... pi pi pi pirí...Hoje a noite é bela..."

"Plonto? Oh, buongioluno...si, si, no, no...va bene, glazie, alivederci."

Silêncio surreal. Vários pares de olhos interrogativos ficam suspensos no ar. No sense? Não, de tudo se faz um senso.

"Buon Natale"!, explodiram todos na fila, saudando com gestos efusivos entre sí, antes de dispersar-se felizes com seus carrinhos.

Antes de alcançar a rua, ainda ví um vovô abraçar seu neto, falando algo sobre Papai Noel.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

"Boquinha" 2

Detalhe da "Luxúria", na obra "Os Sete Pecados Capitais", de Hieronymus Bosch (1450-1516)

Taí a nossa vocação predatória por uma boquinha. Confirmada e reconfirmada diariamente nos jornais. Como as 7 mil vagas para novos vereadores, aprovadas esta semana pelo Senado para a festança dos suplentes no país.

Se cada vereador - ainda que seja de Cariri d'Oeste - empregasse "apenas" cinco amigos e parentes, já podemos festejar a queda de desemprego no país. Com um golpe de Montblanc, o Senado já garantiu 35 mil novos empregos vitalícios e outros tantos de empresas imunes à licitação.

A "boquinha" custa pouco no Brasil. Uma camiseta-brinde, um jeitinho para primos e tios num órgão público, dois quilos de feijão ou um passe-livre na alfândega. Tudo se barganha por ela.

Este final de semana vai ter tráfego de churrasquinho na laje pelo país. Alguns planejarão derrubar o puxadinho e projetar uma piscina em casa. Mulheres e amantes anexos de vereadores terão direito a roupas iguais às de novelas; as mais antenadas, uma fichinha na Daslu. O passo sucessivo dessa "contingência" é óbvio, a Câmara dos Deputados. Nada como garantir imunidade vitalícia que os igualem a divindades.

Os estrangeiros têm razão. Somos um povo alegre e feliz. Vivemos eternamente numa farra, à espreita de uma nova boquinha.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A cultura da "boquinha"



Músicos e poetas brasileiros já cantaram odes à nossa miséria, enxergando nela um lirismo e estética onde cabiam apenas a penúria e resignação de um povo. Subir o morro com a lata d'água na cabeça encerrava em sí o supra-sumo da beleza que só os pobres sabiam evocar. A licença poética permite tudo, claro, quando o tributo é escrito de dentro de um confortável duplex com vista para o mar. Ou numa mesa de boteco com um uísque de 12 anos e uma gorda conta bancária, -quem sabe, garantida até pelo Estado. A pobreza era poética para eles.

Eu também caí nessa um dia. Como qualquer estudante, que se embriaga com teorias de botecos. Mas logo, ví o gingado descer o morro. Pelo direito à igualdade que eu continuo a pregá-lo ainda. Mas ele pretendeu morar ao lado. Esqueceu-se das convicções e descambou para o parasitismo horizontal, no vizinho mais próximo, já que o Estado continua a ignorá-lo. Este, prefere calar a boca distribuindo dinheiro a criar cidadãos.

O que o brasileiro melhor soube aperfeiçoar nestas décadas foi o de buscar uma "boquinha" em qualquer meio. Sem a honra do suor e do trabalho. Se não se candidata para um cargo a vereador numa periferia e se tornar proprietário de castelo, é através de processos judiciais a golpe de gravidez omitida e falsas testemunhas contra a "patroa vilã". Por que se sabe, quem tem mais, tem que ceder. Mesmo que a 'patroa' seja honesta.

A cultura da "boquinha" não apenas aperfeiçoou o mecanismo como o Estado o legitimou às custas do patrimônio de privados, como é o caso de usucapião. É a reversão na escala de valores. O Estado não garante nem menos o que é nosso. O direito do pobre, mesmo com quartas intenções, prevalece sobre o que um cidadão médio com impostos em dia levou anos para construir. Os pobres e os ricos encerram em sí o próprio perdão. Nós no meio, pagamos a conta.

Tanta amargura logo de manhã se deve à esta notícia, que lí há pouco. Os malandros já batem à porta dos intelectuais cobrando o que estes sempre quiseram dividir. Sim, o poeta é um fingidor.
Que dividam seus próprios suores.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Monet e as cores flutuantes

Uma das obras da série "A Ponte Japonesa", de Claude Monet (1840-1926)

O prazer visual encerra em sí um universo tão infinito de beleza - , impossível de exprimir em toda a expansão que a língua possa permitir - , que dispenso desta vez me aventurar a descrevê-lo. Qualquer tentativa seria redundante.

E assim foi ontem a mostra "Monet - O tempo dos nenúfares", no Palazzo Reale de Milão, com 20 de suas obras do Museu Marmottan de Paris e mais 60 ukiyo-e de Hokusai, Hiroshige e gravuras do fotógrafo Kusakabe Kimbei.

Xilogravura "A Grande Onda de Kanagawa" de Hokusai (1760-1849), da série "As 36 vistas de Monte Fuji", presente à mostra
Fotografia pintada de Kusakabe Kimbei (1841-1932) presente à mostra.

Saí muda desta mostra. E compreendí quanto é pobre o meu vocabulário, incapaz de traduzir minhas emoções.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

TAMto faz, o cliente


Por ineficiência do seu site e pela falta de resposta a um e-mail enviado dias atrás, tentei repetidamente ligar à agência local de uma nota companhia aérea brasileira, que opera vôos diretos desta cidade para São Paulo. A longa e torturante gravação em bilíngue me sugeria um dos 9 (nove!) departamentos internos ou um número externo, o abominável 199. Ao preferir o número interno, o suplício para que alguém respondesse foi ainda mais penoso, pois em seguida, e misteriosamente, a ligação caía. Ou faziam cair.

O número precedido por 199, avesso ao 0800, é um estranho anacronismo aderido por algumas empresas, sobretudo as aéreas. Uma tentativa non-sense que coraria de vergonha os mais prolixos dos antagonistas de Adam Smith no distante século 18. O consumidor paga do seu bolso o dobro de tarifa nas ligações para obter informações de seus produtos. Uma estranha lógica de pagar para comprar. E uma barreira preventiva que as protege de clientes petulantes caso o assunto seja espinhoso. Óbvio, não disquei este prefixo. Por princípio.

A terceirização é isso. É um modo de vender o mito da velocidade e eficiência para escamotear a ausência delas. Algumas empresas dão a desculpa de contenção de custos para ancorar-se no bolso alheio. E garantir o prêmio-bônus de seus altos executivos, claro.

Serei apenas eu a sentir nostalgia de interlocutores reais do outro lado da linha? E ainda devo pagar o dobro por isso?

domingo, 7 de junho de 2009

Melão com Presunto cru


O perfume e as cores destas fotos são o prenúncio de um verão abundante de frutas. Paguei apenas €1,20 pelo quilo de melão, e estamos apenas no início da safra. Este ano, a previsão é que supere as 650 mil toneladas festejadas em 2008. Este provém de Mantova, a 150 km a sudeste de Milão e maior região produtora desta fruta.

Pelas cerejas que acabam de chegar às feiras, paguei €2,90 o quilo. Produz-se em todo o país, mas estas, provêm da região de Puglia, bem alí no salto da bota, onde o clima é mais generoso. Daquí a duas a três semanas, estas e outras frutas como pêssegos, morangos e nêsperas terão seus preços reduzidos à metade. E então, virão as melancias gigantescas, de 13 a 15 quilos cada.

O presunto cru? De Parma, naturalmente. O italiano que disputa o duro páreo com o ibérico Pata Negra.

sábado, 6 de junho de 2009

Um a menos


Já morei no mesmo prédio do Bar Estadão, onde serve o histórico sanduíche de pernil, alí no viaduto 9 de Julho, em São Paulo. Foi uma acomodação provisória, por apenas quatro ou cinco meses, cedida por um amigo. Eram os anos 80.

De madrugada, quando a fome apertava, nada me fazia temer a violência noturna. Bastava apenas o elevador, para buscar aquela delícia em meio aos passantes da fauna paulistana.

Nem me lembro qual era o andar, mas do alto da minha janela, eu podia observar a avenida São Luís, tão curta quanto centenária, com maior número de quatrocentões por metro quadrado da cidade. Sem falar da Biblioteca Mário de Andrade, em estilo art-déco, em cuja praça, se acomodavam logo cedo os engraxates e vendedores ambulantes sob a imensa copa de sua figueira.

E ao lado, o histórico prédio da Gazeta Mercantil. De onde às 2 da madrugada, já se ouvia os furgões retirando das suas rotativas os primeiros exemplares, ainda quentes, para ganhar as ruas da cidade. Esta semana, leio que a Gazeta mandou às ruas o seu último número. Não resistiu ao tempo. Deixa de circular após quase 90 anos de existência.

Em simbiose com o sanduíche de pernil, o jornal - aquele em papel - , era um dos elementos que delineavam a feição de São Paulo de que mais gosto. A cidade que nunca para de trabalhar.

Algo mais foi subtraído da minha memória esta semana. É a crueldade do tempo.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

The Untouchable


Espera. Espera...

Tem eleição neste final de semana. Para o Parlamento europeu, mas mandaremos para lá apenas a sua oposição.

Cedo ou tarde aparece um Eliot Ness nesta terra, ninguém é Intocável .


* O refrão "Ridi Pagliaccio" é parte da ópera "Pagliacci", do compositor de ópera lírica e opereta Ruggero Leoncavallo (1857-1919).

terça-feira, 2 de junho de 2009

A fortuna dos incautos


Nascemos com os pés no chão e desastres aéreos impressionam sempre. Um monstro de centenas de toneladas que se sustenta no ar, que enigma. Eu sei, o homem já pisou a Lua e eu ainda a vejo como um conceito, uma abstração envolta em romantismo. Mas, raios, o avião é coisa para comuns-mortais.

Manhã de 14 de novembro 1990. Vôo Alitalia Milão-Zurique

Na manhã daquela data, o aeroporto de Linate em Milão havia se transformado em ringue de batalha entre os passageiros. Encoberto pela densa névoa que costuma formar em outono sobre a região, o aeroporto decidiu paralisar todos os cerca de 40 vôos nacionais e internacionais naquela manhã. Com exceção a dois privilegiados. A casualidade quis que um deles fosse o meu vôo para Paris, de onde horas mais tarde prosseguiria para Tóquio. O outro privilegiado seria para Zurique.

Fazia frequentes viagens entre Milão e Tóquio naquele período, mas aquela era uma das viagens mais urgentes e inadiáveis, que os clientes japoneses não perdoam. Em meio a tapas e ponta-pés da confusão italiana, me ví colocada no vôo errado, aquele para Zurique, de onde queriam que eu fizesse uma conexão-extra para Paris. Com o medo de perder minhas amostras contidas na bagagem - razão daquela viagem - , travei uma luta hercúlea no balcão contra os "espertos" que me precediam.

Somente após chegar a Tóquio é que recebí a notícia. O outro vôo, no qual estava para ser embarcada, caíra nas proximidades de Zurique, matando 46 passageiros. Minha irmã, que então vivia em Milão, já estava prestes a ter um colapso. Por esquecimento ou distração, eu nunca deixava os dados dos meus vôos com ela, razão pela qual a fiz temer pelo pior: o de encontrar o meu nome entre as vítimas, enquanto eu, inconsciente da tragédia, prosseguia a viagem.

Naquele dia, a fatalidade se desviou de mim. É o único canhoto de passagem aérea que nunca joguei fora.