sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sashimi plebeu


Os amantes de sashimis nobres, como atum, lula, polvo e custosos moluscos de águas frias do Pacífico podem torcer o nariz o quanto quiserem, mas insisto que o mais plebeu e popular dos peixes marinhos, a sardinha, mereça sua devida atenção.

Como filha de imigrantes, arrisco a dizer que o sashimi de sardinha - a opção mais barata dos peixes - tenha representado o princípio da evolução sócio-econômica e cultural do nikkei (substantivo "de origem japonesa") no Brasil, até conquistar finalmente o atum - que por antonomásia, representa o sashimi nobre e autêntico. A humilde sardina pilchardus alegrou as mesas dos imigrantes japoneses nos seus duros tempos, em zonas rurais e nas profundas fazendas do interior. Até então, como peixe do mar havia apenas o popular bacalhau norueguês, - hoje promovido ao mais elevado trono dos peixes nórdicos.

Assim como aos ítalo-brasileiros não podia faltar um polpettone aos domingos, as festas nipo-brasileiras não dispensavam sashimis de sardinha. Depois de eliminar as espinhas, ralava-se o gengibre por cima dos filés e regava-os com shoyu, para o deleite dos mais idosos. Certamente o sabor do mar aplacava as dores da vida de imigrante e o seu odor os reportava ao saudoso arquipélago japonês.

Até a minha adolescência, nos anos 70, sahimi era sinônimo de sardinha crua. Naqueles tempos, já havia outras opções de peixes no mercado, como robalo, tainha e linguado, mas meu pai insistia com as sardinhas. Quando não as encontrava, trazia um outro peixe azul, as cavalinhas. A estas, ele unia as cebolinhas, além do gengibre.

Um sabor de forte impacto como este era indispensável um bom arroz branco. De grãos brilhantes, que comprovassem o frescor de sua recente safra. Na minha casa comia-se o arroz catete, produzido no Rio Grande do Sul por descendentes de italianos, cultivado na água e ideal também para o risoto italiano. Era uma garfada na sardinha e outra no arroz, para chegar ao delírio.

O tempo passou e muitos sabores também passaram. Dos sem-número de molhos da nouvelle-cuisine até bizarras combinações de sorvete de bacon e chocolate temperado com cebola, da cozinha molecular. Sou sempre disponível para novas experiências ao palato. Mas seus sabores sempre morreram alí, ao pousar os talheres sobre o prato. Talvez porque os pratos não possuíam memórias.

Eu acredito no imprinting dos sabores, aqueles que gravam na infância e se tornam indeléveis por toda vida. Um sabor que contenha uma lembrança, um elemento que o coligue a uma memória. Talvez se deva a este mistério a impossibilidade de exprimir o prazer gustativo em toda a expansão que a língua permita.

Mesmo aquí, continuo preparando o meu sashimi de sardinha ou cavalinha, de tempo em tempo. É o meu modo de aplacar a melancolia dos tempos adultos.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Moda e Crise

Foto de 25-02-2009 Rua Montenapoleone, a rua mais exclusiva do luxo e da moda, deserta pela crise.

Começou ontem a semana de Moda milanesa para a linha prêt-à-porter Outono-Inverno 2009/10, a "grande quermesse", como é ironicamente chamada aquí. Como era previsível, a crise não teve piedade.

A linha jovem e "menos cara" de Roberto Cavalli, a Just Cavalli, deveria pisar a passarela hoje, mas o seu desfile foi cancelado a dois dias do evento. Das 50 peças-chave da nova coleção que faria parte do desfile, apenas 25 foram entregues pela Itierre, empresa controlada pela gigantesca It Holding, produtora, distribuidora e detentora de licença de várias grifes.

Desta vez, nem a mídia e nem os estilistas escondem o desconforto, o que até há pouco, qualquer embaraço jogavam para baixo do tapete. A It Holding está a um passo de um crack, e pode levar junto nomes como Exté, Malo, Gianfranco Ferrè, Versace Jeans Couture, Galliano e Just Cavalli. E, claro, seus 1.800 funcionários. Seus títulos no mercado de ações estão suspensos por tempo indeterminado e todas as tentativas de venda a grupos estrangeiros estão falidas. Para se ter uma idéia, mal consegue pagar os royalties para estas grifes.

Ontem, passei pelas ruas mais exclusivas do luxo, a Montenapoleone, Sant'Andrea e Spiga, chamadas "quadrilátero da Moda milanês". Foi desolador ver as ruas e boutiques às moscas e feições enfadonhas de seus atendentes à espera de clientes. Em tempos dourados, temporada como esta estaria apinhada de compradores internacionais, fazendo suas compras extras após os desfiles.

Ainda que a moda alimente apenas a vaidade estética de poucos eleitos, vale lembrar que por trás destas fachadas douradas, existe uma grande indústria, da qual dependem milhares de trabalhadores. Há faxineiros, costureiras, operários e entregadores, a faixa mais precária quando ocorre corte nas despesas.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Imigrantes



A economia gerada por imigrantes no território nacional já representa quase 10% do PIB italiano e o número de novas empresas registradas por eles já totaliza 165 mil unidades, o triplo da última pesquisa de 2003. Antes mesmo que este número fosse contabilizado, as pequenas empresas de imigrantes recolheram em 2007 a impressionante cifra de 5,5 bilhões de euros em impostos ao governo italiano.

É o que emerge de uma detalhada pesquisa divulgada ontem, organizada por importantes entidades sociais e instituições bancária, comercial e industrial italianas. Para um país que ainda engatinha no convívio com estrangeiros e associa a imigração à delinquência, estes números podem calar os partidários do ultraconservador Liga Norte, que apoiam o atual governo Berlusconi. Vale lembrar que na última eleição, grande parte dos votos da população apoiou a política antiimigratória deste governo, cuja campanha, promovida com discursos inflamados, repetiu-se diariamente em todas as emissoras de TVs.

Com uma população de 57 milhões, dos quais 20% são idosos acima de 65 anos e com menor taxa de natalidade do mundo, qualquer equação para a sua futura economia é dispensável. Parte dos atuais 3 milhões de estrangeiros, cujo fluxo culminou nos anos 90 e que hoje trabalham regularmente para empresas italianas - numa miríade de profissões, do faxineiro a docentes universitários - contribui anualmente com 5 bilhões de euros para a previdência social, garantindo a subsistência do próprio sistema e a manutenção para mais de 10 milhões de aposentados e pensionistas do país. E pensar que são os idosos, os mais refratários aos imigrantes e potenciais eleitores de Berlusconi e aliados de correntes fascistas...

Da pesquisa, emerge também alguns aspectos culturais dos imigrantes e suas voacações comerciais. Das novas empresas, 65 mil estão na construção civil, administrados sobretudo por romenos e imigrantes do leste europeu. Seguem os chineses, que respondem por quase 11 mil empresas no comércio e manufaturas, sobretudo na indústria têxtil, de calçados e de confecções. Os marroquinos, paquistaneses e cingaleses se sobressaem no comércio, enquanto filipinos se prestam no setor de serviços.

Segundo uma pesquisa paralela levantada por Associazione Bancaria Internazionale, o que motiva o imigrante a obter um financiamento para abrir sua própria empresa é a ambição por uma condição que o equivalha àquela do cidadão italiano. De fato, resulta que seus salários correspondiam a 60% do empregado italiano, na mesma função.

Ainda que todos os números acima representem um incontestável benefício econômico local, visível a olho nú, a pesquisa conclui que a percepção dos diretos interessados - o Estado e a sociedade geral - ainda é quase nula.

Com um batalhão de jornalistas a seu serviço, divididos em 3 emissoras de TVs de sua propriedade e mais 3 emissoras estatais sob seus controles, Berlusconi promete cegueira por muitos anos ainda.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Pintura nova



Mãos ásperas, tinta nos cabelos e muitas dores na coluna. Mas os 3 dias de inferno acabaram.
A nova pintura do apartamento está perfeita.

O que recuperei com o sacrifício já vale uma passagem aérea para os trópicos. Os pintores queriam uma média de €1.000,00 (com materiais incluídos) pelo serviço, e olha lá, nos dias estabelecidos por eles.

Estamos seriamente pensando em mudar de profissão...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Férias virtuais




Para os amigos que estiverem com calor, um cartão-postal de Sasso della Croce, para dar uma refrescada. Localiza-se nas Dolomites (Alpes orientais), a poucos passos da fronteira com a Áustria e a 300 km de Milão. Depois de uma caminhada, deitar sobre o gramado, abrir a sacolinha com lanches e pensar um pouco sobre as delícias de se desligar do mundo. Se possível, sozinhos.

Já para os amigos encapotados de sobretudo, cachecol e luvas que sonham com a água morna molhando os pés descalços, uma vista de Jericoacoara, Ceará. Na sombra de um coqueiro, com uma porção de camarõezinhos fritos e uma brahminha bem gelada.

Já tem gente aquí do meu lado babando e se lembrando da viagem de 10 anos atrás. Aquele mesmo que não quis arredar os pés da areia, esperneando na hora de retornar. E ainda hoje me pede para preparar a "Isca de Peixe" de um boteco com o mesmo tempero de lá. E eu, para consolá-lo, prometo que os caríssimos peixinhos do Mediterrâneo também ficam "quase" iguais aos do Brasil. Como o meu senso de comadre é muito forte, acabo por preparar sardinhas fritas e lhe peço para fechar os olhos e se consolar. Basta que ele finja que caminha sobre as dunas... Ô que saudades também.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Ufanismo barato


Foto: Jornal O Estado de São Paulo


Apenas uma pequena observação. Sem nenhum caráter sócio-antropológico, histórico e outros ógicos.

O brasileiro é um animal emotivo. Com todas as conotações que possam conter no seu significado. O desejo de manifestar sua opinião precede o raciocício. Me refiro a vários casos que envolveram brasileiros fora do país, como o último, o da brasileira residente na Suíça.

Ao ler a notícia sobre Paula Oliveira esta semana, me assustei com reações furiosas de grupos de brasileiros que já estavam naquele preciso momento organizando uma passeata contra o racismo, enquanto sites, blogs e comunidades sociais já atiravam pedras por todos os lados. Especulações correram soltas, condenando os suíços de todos os males da Humanidade. Um revanchismo irracional que revela mais um recalque do vitimismo, no qual muitos brasileiros se ancoram. E se os lugares-comuns são alimentados por jornalistas incompetentes, a interpretação descamba da suposição à legitimação do fato. É muito fácil fulminar como racismo a despeito de incompatibilidade cultural.

Supõe-se que a civilização seja, antes de mais nada, a domesticação das nossas reações emotivas para evitar interpretações equivocadas. Não desminto o mal-estar de muitos brasileiros nos aeroportos internacionais. Que por nosso azar geo-histórico e político, temos modestas glórias a expor no exterior, com exceção do futebol. Nem nego que existam organizações xenófobas pelo mundo, mas é necessário separar o joio do trigo, como ocorre em todo o mundo, incluindo o Brasil.

Acompanho os jornais japoneses, sobretudo a situação dos 320 mil brasileiros residentes naquele país. Recentemente, houve manifestações em Tóquio e Nagóia por algumas centenas de brasileiros contra o sistema trabalhista japonês, chamando-o de 'racista' e exigindo para a comunidade moradia, educação e trabalho do governo japonês. E para dar um gás ao ufanismo barato, ergueram a bandeira brasileira ao vento, como únicas vítimas da crise que interessava indistintamente a todos. Aos trabalhadores japoneses, iranianos ou chineses. A consciência da cidadania - como impostos em dia e o respeitos pelos deveres sociais locais - deveria ser a premissa para o direito a reivindicações, mas disso esqueceram de denunciar durante as manifestações. Pudera ver ferocidade igual àquelas de Tóquio e Nagóia, mas desta vez dirigida ao governo brasileiro. Seria mais que legítima.

E apenas para precisar. Quantos de nós sabemos de estrangeiros assassinados no Brasil, vítimas de roubos e assaltos já a um passso fora dos portões de desembarque dos aeroportos? E quantos parentes de vítimas japoneses de assassinos brasileiros não aguardam inutilmente suas extradições do Brasil? Vivo na Itália, e não foram poucas as vezes em que os jornais locais estamparam mortes de seus turistas no Brasil, mas nem um parágrafo nos jornais brasileiros. Se cada país de origem destas vítimas reagisse com a mesma fúria com que muitos brasileiros demonstraram no caso de Paula Oliveira, certamente nenhum brasileiro passaria ileso nos aeroportos internacionais.

Todos somos potencialmente vítimas da ignorância humana. No nosso ou em qualquer outro meio. Ignorância ou incompatibilidade cultural nunca foi sinônimo de racismo. Pode chamá-lo discriminação, exclusão ou outros raios, mas serve apenas para dar vazão àquele ufanismo que alimenta a esquerda e a direita, segundo a conveniência.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Fosfosol


Para averiguar um equívoco nascido numa roda de amigos, - e com receio que eu tenha dito alguma bobagem - decidí fazer uma rápida busca na cronologia de governos que presenciei neste país.

A discussão havia iniciado com o conflito da Bósnia, mas por alguma razão, a conversa se desviou por alguém tentar se lembrar sob qual governo italiano vivíamos o ano em que explodiu o conflito. Deste fato, balançamos entre 92 e 93, meno male. Mas ninguém foi categórico quanto ao nome do primeiro-ministro italiano de então. Por extensão, a noite acabou num jogo de memórias em torno de governos italianos. O que não é nenhuma novidade.

Basear-se em legislaturas para coligar a certos eventos é um exercício pouco eficiente até para os mais lúcidos, imagina-se para um cidadão comum, habituado a um Parlamento que se dissolve na mesma velocidade com que trocamos a roupa.

De dúvidas do tipo "que governo era mesmo o ano em que você me deu aquela blusinha verde em seda ?", obtém-se do interlocutor um sorriso de desdém não pela inutilidade do parâmetro. É um subterfúgio do qual todos recorrem para mascarar a precariedade da própria memória.

Não é muito diferente com assuntos de maior peso, como decretos, taxas e escândalos que marcam cada legislatura. Não se trata apenas de dar nome aos bois, mas lembrar também a sequência de mandatos, já que os partidos e os políticos são sempre os mesmos, - o que cafunde ainda mais a ordem dos fatores.

Da sequência de 15 mandatos de primeiros-ministros que passaram voando por mim, acertei apenas 11 (e meio) governos. E antes que alguém na roda me dirigisse um sorriso de chacota, fui logo tirando o Fosfosol da bolsa e dizendo: "Gente! Será que amanhã vai chover?"...

Memória curta ou governos curtos?

88-89 Ciriaco de Mita - Tempo de mandato: 1 ano e 2 meses.
89-91 Giulio Andreotti - Tempo de mandato: 1 ano e 9 meses.
91-92 Giulio Andreotti - Tempo de mandato: 1ano e 2 meses.
92-93 Giuliano Amato - Tempo de mandato: 10 meses.
93-94 Carlo Azeglio Ciampi - Tempo de mandato: 1 ano e 1 mês.
94-95 Silvio Berlusconi - Tempo de mandato: 8 meses.
95-96 Lamberto Dini - Tempo de mandato: 1 ano e 4 meses.
96-98 Romano Prodi - Tempo de mandato: 2 anos e 5 meses.
98-99 Massimo D'Alema - Tempo de mandato: 1 ano e 2 meses
99-2000 Massimo D'Alema - Tempo de mandato: 7 meses.
2000/01 Giuliano Amato - Tempo de mandato: 1 ano e 2 meses.
2001/05 Silvio Berlusconi - Tempo de mandato: 3 anos e 2 meses.
2005/06 Silvio Berlusconi - Tempo de mandato; 1 ano e 1 mês.
2006/08 Romano Prodi - Tempo de mandato: 2 anos.
De 2008 Silvio Berlusconi - Tempo de mandato: Até sabe se lá quando....

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cassöla

Prato típico de Milão e região. Cozinha camponesa que remonta ao período medieval.

Nada de salivação em cima dos teclados, pois já comí por mim e por você também. O bom de ser uma eterna estrangeira é ser sempre convidada para comer algo que não se encontra facilmente nos restaurantes.

Cassöla - com trema (lê-se a volgal "o" como "oe") e em dialeto milanês, - provém da cozinha pobre milanesa. É um prato invernal, com origem na sociedade rural, subentendendo-se aí a precariedade e limitações da vida camponesa, como é a nossa feijoada. De fato, cassöla era um prato natalino por conter a carne, um elemento raro numa mesa na qual apenas cereais e poucas verduras compareciam na vida cotidiana.

O ingrediente central é o repolho crespo de inverno, aquí chamado de verza. Talvez a única verdura que resista sempre verde a temperaturas abaixo de zero grau, a céu aberto. Junta-se a ele o rabo, orelhas, pés, toucinhos e outras partes menos nobres do porco. Depois, o salsão, a cebola, o tomate e outros condimentos a critério de cada família. Cozinha-se tudo por 4 horas(!), até que o repolho se torne um purê e ressalte o seu açucar natural. Para acompanhar, uma polentona.

É verdade que, como a feijoada, a versão contemporânea prefira partes de carne mais nobres para prevenir hesitações, mas tenho quase certeza de que o sabor não seja o mesmo.

Nem anotei a receita. Como o gramado do vizinho, a cozinha dos amigos é sempre mais gostosa.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Goiaba e mandruvás


Lendo uma crônica deliciosa da Naomi , em que cita o nome daquele gracioso inseto peludinho verde-limão, de nome mandruvá, foi difícil dissociá-lo da simbiose com a goiabeira, de que tanto me acompanhou na infância.

Crescí em Môdi, - como o meu pai pronunciava a cidade de Mogi das Cruzes - onde viví meus melhores anos, de infância à adolescência. Minhas amiguinhas de casinha de outrora e belas senhoras de hoje, - Regina, Cristina e Tânia, - são lembranças indeléveis deste contexto.

Sobre o muro esquerdo, cobiçávamos as goiabas. E dos vãos da cerca à direita, as pitangas. As pitangas suculentas da Conceição, uma santa e solteirona - onde já se viu, com 29 anos e ainda não havia se casado - cuja mãe não permitia nem a sombra de um pretendente no portão.

Me pergunto quantos marimbondos nos perseguiram e quantos mandruvás nos queimaram cada vez que o pai do Roninho, um velho rabujento - "guardião" que apostava na vitória do usucapião - nos expulsava do terreno baldio como se já fosse seu.

Ainda hoje, o primeiro suco que eu tomo ao pisar o solo brasileiro é sempre o de goiaba. Há muitos sucos de guava importados por aquí, mas nada se compara ao sabor da fruta amadurecida naturalmente num terreno baldio. E se são deformadas, com bichinhos dentro, colhidas diretamente dos pés dos vizinhos, o sabor se torna ainda mais especial.

* À Regina, amiga-irmã de quintais, rolimãs e sucessivas transgressões inenarráveis.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Sua Santidade o Encanador

Ferrari F-430 Spider, disponível apenas para a elite local, como eletricistas, encanadores e mestres-de-obra.


Vossa Santidade,

Venho humildemente através deste fax recordá-lo que já cansei de deixei 27 recados com a sua secretária executiva, explicando a razão da minha urgência pela pia entupida.

Sei o quanto sou inoportuna insistir pela sua respeitada prestação de serviços, no momento em que a V. Santidade se encontra imerso em compromissos de maior urgência. Desejo-lhe sucesso na transferência burocrática de sua Porsche por uma Lamborghini e na redecoração de sua casa de montanha em St Moritz. Livre de seus empenhos, eu lhe peço encarecidamente, que possa me dedicar 15 minutos do seu precioso tempo para o desentupimento.

Sei que há uma viagem marcada para Bangcoc na próxima semana, onde há importantes compromissos com seus empreendimentos escusos artísticos. Mas se puder verificar o que ocorre com a minha pia, ficarei honrada em recebê-lo antes do seu embarque. No horário e data em que a V. Santidade estabelecer. Me perdoe por este capricho e se abuso da sua boa vontade.

Não se preocupe com o alagamento da minha cozinha, que já completa 6 dias. Nem com o anulamento dos meus compromissos de trabalho a causa de seus furos imprevistos. Para tranquilizá-lo, meu marido e eu já vivemos de galocha. Serei feliz em sobreviver com coragem e confiança no cumprimento de suas palavras, com as quais nunca faltou.

Para a facada o pagamento de seus honorários, o ressarcimento do macacão manchado e pelos materiais superfaturados cobrados à parte, já fui ao banco retirar em dinheiro. Já lhe antecipo que não terei que fazer nenhum financiamento que possa irritar a sua paciência.

Não se preocupe pela sonegação ausência de nota fiscal, que a V. Santidade diz ser culpa da gráfica que não lhe imprimiu em tempo. Compreendo perfeitamente que, tratando-se de um atendimento de urgência, a V. Santidade é quem está me prestando um grande favor por todo este transtorno. No aguardo de sua resposta,

Meus distintos cumprimentos,

LuMa