sábado, 30 de maio de 2009

Boteco da LuMa - Menu 3


"O pensar divide, o sentir une." (Ezra Pound, poeta e crítico)
* De cujo livro "Cantos", ainda estudante então, me foi levado e nunca devolvido. Um triste mau costume daqueles tempos.

A temperatura voltou aos 20 e 25 graus, retomando o seu curso natural de final de primavera. Ideal para petiscar algumas delícias do Mediterrâneo no final do dia, sob o lento entardecer destes dias luminosos.

Esta semana o meu boteco prefere sentir a pensar. E fechar a semana dissonante e verborrágica com estes pratos que não exigem diálogos.

* Douradas(sparus aurata) grelhadas, apenas com o sal.

* Salada de verduras e frutos-do-mar. (Mexilhão, camarão, tomate, pepino, erva-doce e cebola)

* Pimentões grelhados, sem pele, com limão, alho, azeite e pimenta-do-reino.

* Cebola miúda agridoce. (Cozidas com aceto balsamico, sal e pitada de açucar)

* Vinho branco Falanghina, da vinícola Feudi di San Gregorio (região de Campania, cuja cidade principal é Nápoles)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

"Eppur si muove"

"Galileu, diante da Inquisição", pintura de Cristiano Banti (1824-1904)


Em comemoração ao Ano Internacional da Astronomia, o Arquivo Segredo Vaticano publicará no final de junho documentos originais do processo que salvou Galileu do fogo da Inquisição, "graças à intervenção" do seu principal acusador, o cardeal Roberto Bellarmino. Durante o histórico processo no Tribunal de Santo Ofício, entre 1616 a 1633, o cardeal especificou que Galileu "não é herético, mas sua tese o leva naquela direção".

Com a forçosa retratação de suas teses copernicanas, - de que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário - , o físico, matemático e astrônomo Galileu Galilei foi condenado à prisão domiciliar e seus escritos inseridos no Índice dos Livros Proibidos. Não fosse pela controvérsia entre os próprios religiosos do Tribunal a blocar a infernal máquina da justiça papal, certamente Galileu teria o mesmo fim do filósofo Giordano Bruno, outro copernicano.

Preso pela Inquisição em 1592, Giordano Bruno, condenado por duvidar da Santíssima Trindade, foi torturado por oito anos no cárcere religioso e morreu crucificado e queimado vivo, com pregos na língua "para parar de blasfemar".

Somente em 2000, através do papa João Paulo II, a Igreja apresentou a mea culpa, assinando a completa abolsovição de Galileu dos seus livros obscuros. Passaram-se mais de 370 anos e finalmente as 550 páginas de debates processuais verão a luz do dia no próximo mês.

Uma retratação tardia da Igreja, mas ao menos já é uma desculpa protocolar.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Churrasco Alpino

Para fugir do calor atípico de 35 graus que assolou este final de semana milanês, pusemos o pé na estrada rumo às montanhas alpinas de Gromo, a 1.200 metros de altitude. O vilarejo se localiza a cerca de 100 quilômetros a nordeste de Milão, região montanhosa que precede os Alpes, a poucos passos da Suíça.



A beleza natural da região é de tirar o fôlego e a fauna local a torna ainda mais fascinante. Há grande variedade de aves como corujas, águias e poianas, bem como texugos, raposas, doninhas(mustela nivalis) e cabras-de-montanha, entre outros. Até ursos e lobos vivem alí, onde o homem não põe os pés.


O frescor das montanhas ficou entre 25 a 28 graus, um bom motivo para um churrasquinho entre amigos, debaixo dos pinheirais.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

"Desbatismo" em aumento


Ruptura definitiva com a Igreja Católica através do cancelamento de seu nome no registro de batismo, pois o sacramento, determinado na infância pelos pais, opõe-se à vontade individual e à própria identificação espiritual.

É com este argumento que nos últimos anos os italianos estão engrossando a fila das paróquias e dioceses de suas cidades com o pedido de "desbatismo", em protesto contra a instrumentalização da "religião oficial" nas questões do Estado. A Igreja, segundo o protesto, se permite a qualificá-los como fiéis a partir do sacramento. E o fenômeno já começa a incomodar o Vaticano.

Segundo a União dos Ateus e Agnósticos Racionalistas da Itália - que calcula representar cerca de 9 milhões de não-crentes - , são baixados em média 2.500 modelos de formulários ao mês do seu site, através dos quais todos podem formalizar o pedido junto às autoridades eclesiásticas. O protesto é silencioso, mas o número se faz ouvir.

Em 2007, a UAAR registrou 17 mil downloads deste formulário. Em 2008, outros 21 mil, totalizando mais de 70 mil formulários desde 2000, quando a entidade disponibilizou o documento. A grande maioria destes não-crentes, segundo seus dados, pertence à faixa etária entre 40 e 50 anos, seguida sucessivamente pelos mais jovens.

Segundo um artigo do site italiano Virgilio, 1107 paróquias da diocese milanesa estão envolvidas com pilhas de pedidos de "desbatismo". O pico se deu sobretudo após a polêmica causada pela Igreja junto ao governo, opondo-se ao caso de Eluana Englaro. A jovem viveu 17 anos em estado vegetativo, o mesmo longo período de apelo de seu pai, em luta pela suspensão de vida artificial.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Erro preventivo

Depois de 20 anos de vida regular na Itália – com cidadania imaculada, impostos e deveres cívicos em dia – , fui chamada pelo Serviço Sanitário Nacional deste país a comparecer em seu escritório. Segundo o SNN, desde julho de 2005 não tenho o direito aos serviços de assistência médica gratuita dos quais usufruí. Queriam me apresentar a conta, de alguns milhares de euros.

Sentí um cheiro de Liga Nord no ar. Uma espécie de caça às bruxas, organizada nestes tempos por esta liga nacionalista que sustenta o atual governo Berlusconi. Uma forma de conclamar todos os estrangeiros residentes neste país, com alguma escusa para identificar o os clandestinos dos outros regulares.

Chegando ao guichê, tive um momentâneo suspiro de alívio. Tratava-se do habitual “erro do chip”, como eles costumam alegar, para toda a bagunça informática dos órgãos públicos locais, com a qual estamos habituadados. A Itália, segundo um dado levantado pela União Européia, ocupa o penúltimo lugar em informatização, antes da Grécia.

A fim de evitar fraudes e mortos-pensionistas, há alguns anos o SNN distribuiu um novo cartão magnético aos usuários, com todos os nossos dados e com uma data de validade. A cada expiração, o cidadão deve renová-lo, comparecendo pessoalmente ao guichê, sem o qual ocorre a suspensão do direito. Ora, a expiração de validade do meu cartão é de 2010, destacado em negrito. Nem o guichê sabia me dizer o porquê da minha convocação.

Após culminar em acesas discussões e um maço de documentos reunidos, constatou-se que no chip interno do meu cartão, a expiração datava o ano de 2005. Incompatibilidade de dados entre o interno e externo do cartão! Daquele ano para cá, eu seria uma usuária-fantasma, e ainda que o erro fosse comprovadamente do sistema informático, a pena era irreversível. Eu teria que pagá-la primeiro, e só com o comprovante, recorrer depois ao apelo!

Mas o mais surpreendente foi a razão pela qual o meu nome travou no SNN. O local do meu nascimento, o Brasil. Ao incompetente de turno que não leu todos os meus dados restantes, - claramente registrada como cidadã italiana - , bastou o Brasil como o meu país de origem para fulminá-lo e decretá-lo como clandestina.

A prova disso é que, ao recorrer diretamente à diretoria regional do SNN para uma correção definitiva, o meu país de nascimento foi mais uma vez motivo de estranheza e uma possível interpretação 'preventiva' por parte do novo funcionário. Ao verificar o meu sobrenome - homônimo de uma nota marca de moto japonesa - , o infeliz abriu inicialmente um sorriso de surpresa, para logo em seguida me devolver o formulário. Desta vez, com um brilho sarcástico e um sorriso de desdém, apontando:

"Ecco, errou 'de novo', não é possível... Preencheu 'Brasil', mais uma vez?! Depois, não venha reclamar que a culpa é da nossa informatização!"

Chamo isso de interpretação retroativa de um erro preventivo. Complicado, não?

domingo, 17 de maio de 2009

Vanguarda Russa

Valeu a corrida pela manhã ao lago de Como, a 40 minutos ao norte de Milão, para ver a mostra dos pintores Chagall, Kandinsky, Malevich e Filanov, sediada no magnífico palácio de Villa Olmo. São 80 obras datadas entre 1900 a 1930, provenientes sobretudo do Museu de São Petroburgo.

A mostra festeja o centenário do futurismo, cujo movimento nasce do desejo de distanciar-se da tradição e burguesia, bem como do domínimo do impressionismo francês de então. O fim do futurismo russo deu-se simbolicamente em 1930, com o suicídio do poeta e dramaturgo Vladimir Maiakovsky, e com a ascensão de Stalin naqueles anos cinzentos.


O palácio de Villa Olmo, construído em 1797, onde anualmente realiza-se importantes mostras (ano passado foi a vez dos Impressionistas) é uma obra-prima à parte. Inteiramente decorado com afrescos e esculturas, hospedou importantes encontros políticos como o imperador austríaco Francisco Fernando I, Napoleão Bonaparte e o revolucionário e unificador da Itália, Giuseppe Garibaldi.


A caminhada por toda a orla do lago e o ar perfumado da primavera até chegar ao palácio também é uma moldura obrigatória desta bela mostra.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Canjiquinha da Mãe


Não. Não da minha. Mas da Adrina, que lhe preparava com carinho e lhe servia fumegante no inverno capixaba. E já vou antecipando. Com moela, é um trem pra lá de bom! De lamber o prato.

Canjica, para muitos paulistas, pode ser sinônimo de doce - , aquele com grãos de milho descascados, cozidos no leite e servidos com canela. Mas numa rápida googada, descobrí que em certas regiões, canjica é o milho granulado que conhecemos como quirera.

Na falta de quirera, usei a farinha de polenta com granulado maior. Com exceção a este, não traí nem um tiquinho dos ingredientes da receita original. Respeito, acima de tudo.

Devoramos esta canjiquinha com um potinho de pimenta sobre a mesa, enquanto um fogão à lenha ao lado e o chão batido de uma casa na fazenda ficaram por conta da nossa fantasia. A cada colherada.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Estética e Stendhal

Seria um lugar-comum inserir esta foto, não fosse por razões que ainda me emocionam fortemente.

Ao passar em frente à esta catedral, me lembro sempre de uma cara amiga, que há cerca de 15 anos, veio me visitar de uma distante região do Japão. De mochila, "on the road" pelo continente, sem os filhos e sem o marido. Liberdade exigida e decretada por eles.

Ao erguer os olhos emocionados para os vitrais da catedral e suas gigantescas colunas de mármore, foi tomada por uma incontrolável vertigem e êxtase, à beira de perder seus sentidos. Enquanto observava paralisada as esculturas e obras de arte, suas lágrimas corriam sem parar, e em silêncio, embriagada por tanta beleza estética.

Em estilo gótico, a construção de Duomo di Milano iniciou-se em 1386 e levou cerca de 400 anos para ser concluída. Milhões de toneladas em mármore e séculos de rio de dinheiro terão passado alí, com o suor e sangue dos camponeses e fiéis, os pilares da Igreja. Mas a estética é indescritível, tamanha a beleza.

Naquele dia presenciei, de fato, o êxtase que precede uma síndrome de Stendhal, na sensibilidade desta amiga. Ética e Estética não são antagônicas, como me lembra Nei.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Arquitetura fascista


Tenho me dirigido diariamente ao hospital, em visita a um membro da família, por razões pouco animadoras. Espera-se sempre que qualquer conforto possa ser útil na inversão da doença.

Não creio que exista alguém que aprecie um ambiente hospitalar. Confesso, apenas o dever moral supera o esforço psicológico com que me preparo para ir até lá.

Talvez para compensar a minha inquietação, faço todo o percurso interno à pé, da cidade-hospital, através das longas alamedas do Ospedale Maggiore, repletas de jardins e flores.

Trata-se de um hospital construído por Benito Mussolini, em 1939, cujas linhas da arquitetura fascista, projetadas pelo arquiteto Giulio Arata, transmite a grandiloquência e a difusão dos ideais de massa do regime. Ocupa uma área de mais de 320 mil metros quadrados, com edifícios monumentais (em mármore) para cada setor, cortada por alamedas e jardins, o que requer o uso de microbus para a circulação interna.

A arquitetura fascista se fez presente também na história de São Paulo. Basta lembrar o já demolido casarão dos Matarazzo, na Paulista. Ou o edifício Matarazzo, no Viaduto do Chá, assinado pelo arquiteto Marcello Piacentini, conhecido como "arquiteto de Mussolini". Na Itália, Piacentini assinou várias construções monumentais, como o Palácio da Justiça de Milão, a Universidade La Sapienza de Roma, Teatro de Ópera de Roma, entre outras.

Fascista ou não, sua arquitetura me aplaca a melancolia com suas belas linhas, antes de chegar ao edifício onde se encontram as fatalidades.

domingo, 10 de maio de 2009

Boteco da LuMa - Menu 2



Sugestão do Dia: (placa sobre a calçada, escrito a giz)

* Anchoveta crua (Engraulis encrasicolus), temperada apenas com sal, azeite, limão siciliano e pimenta-do-reino. Os italianos se servem com as mãos, e ao terminar, limpam o fundo do prato com o pão – a tal da scarpetta - , para aproveitar o delicioso suco, fresco como o sabor do mar. (A anchoveta é uma parente da nossa manjuba)

* Sardinha miúda frita. Tão crocante que se come com a cabeça.

* Aspargos na manteiga. A regra é al dente, com apenas sal e pimenta-do-reino. Estamos em plena estação desta verdura.

* Rabanete agridoce. Vinagre de maçã, sal e açucar, deixando curtir por ao menos 5 horas.

* Vinhos brancos acabaram. Só tintos: Barbera D’Alba, Syrah e Valpolicella Classico Superiore.


"Fiado, só Amanhã", é um aviso apenas aos críticos gastronômicos. Para o resto do pessoal, é tudo por conta da casa.


sexta-feira, 8 de maio de 2009

Vagões para imigrantes


"Vagões só de milaneses". Não, mais restrito ainda. "Vagões só para os imigrantes extracomunitários", diz outra voz. Retorno do Führer? Novo apartheid? Ainda não.

Esta foi a proposta lançada ontem, aos gritos histéricos em plena praça do Teatro Scala, no centro de Milão, pelo deputado Matteo Salvini, representante da Lega Nord, o polêmico partido secessionista e xenófoba, cuja batalha principal no governo é a luta contra a imigração.

Ele incitava a multidão e passantes a aderirem à proposta pela "segurança" dos cidadãos, alegando que as poltronas de metrô, ônibus e trans devam ser reservadas aos italianos. Na sua opinião, o direito de sentar-se dos italianos e milaneses no transporte público é tolhido por imigrantes (leia-se os não-europeus do Terceiro Mundo), sem porém esclarecer o que se entende por "segurança" neste contexto.

Não precisamos de outra Rosa Parks na História, a negra norte-americana que recusou-se a levantar da poltrona permitda apenas aos brancos, nos tempos mais vergonhosos da segregação racial.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A crise e a janeleira


Economia pode não ser uma ciência exata, mas tateando aquí e alí com minhas equações elementares, me deparo com estranhezas do mercado de consumo incompreensíveis para o meu escarso conhecimento.

Moro num prédio de esquina, de frente a uma galeria de arte e leilões, a "Galleria Rosenberg". Veio a estabelecer-se aquí cerca de oito anos atrás, período em que coincidiu com a introdução do euro, o aumento do custo de vida e o início do empobrecimento da classe média européia.

Eu sou um exemplo desta consequência. Foi naquele período que comecei lentamente a perder meus melhores clientes, compradores de produtos de luxo italianos. Por trabalhar apenas com o mercado japonês - até então o mais próspero e melhor pagador - , acabei por pagar um duplo preço, com um câmbio incompatível e um mercado minguado por produtos chineses.

No mesmo vórtice, grifes como Dolce e Gabbana, Armani e Gucci viram descer pelo ralo não apenas os seus lucros, mas também o próprio fascínio e extravagância com o empobrecimento de seus consumidores - a classe média, média-alta e os novos-ricos. E, sabe-se, os ricos nunca enriqueceram as grifes.

Com a globalização, foi inevitável que a conservadora indústria italiana também sucumbisse aos poderes da China, com todos os efeitos colaterais. Desemprego, perda de competitividade, aumento de novos-pobres e o rebaixamento de salários com o fluxo de novos imigrantes. E como a cereja que coroa o bolo, chegou esta nova crise financeira, cujo resultado todos já conhecem.

Paradoxalmente, em pleno março de demissões e quebradeiras internacionais, esta galeria de arte a que me referí acima inaugurou com festança a ampliação de seu espaço, surpreendendo a minha previsão pessimista. Aumentou suas vitrinas por toda a esquina e passou a ocupar também o piso superior, repaginando a decoração interna. Desde então, esta janeleira tem observado um aumento de compradores(?), questionando as incoerências que uma crise possa gerar.

Para o meu espanto, há 15 dias foi inaugurada uma outra galeria de arte na calçada oposta, a menos de 50 metros do meu prédio e da Rosenberg. Sem dizer que mais à frente, na quadra sucessiva, há também uma galeria de Fotografias, a "Photographer's Room". Há 3 anos anima o espaço com importantes profissionais italianos, seus mecenas e badaladeiros culturais.

É verdade que este bairro seja um discreto boêmio, com restaurantes, bares e clubes culturais, mas certamente não serão estes boêmios a alimentar esta pequena amostra do mercado de arte. Nestes tempos de crise?

Segundo um dado recente, a cada 3 novos restaurantes, 2 fecham o batente em menos de um ano nas cidades como Roma e Milão. Nos últimos 3 ou 4 meses, apenas neste pequeno bairro, contabilizei ao menos 5 restaurantes que fecharam. E abriram outros tantos. Os únicos que se mantêm indiferentes à crise parecem os mercantes de arte.

Estas são apenas interrogações de uma janeleira habituada com a economia real, de cujas equações no seu microcosmo não chega a nenhuma resposta.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Não à delação



"O estudo é um direito também dos filhos de clandestinos", afirmou ontem, Gianfranco Fini, ex-expoente do Movimento Social Italiano Direita Nacional (remanescente do movimento fascista) e atual presidente da Câmera italiana.

Ele rebate a proposta de lei promovida pela Lega Nord - ala mais radical anti-imigração do governo - , de impedir que filhos de imigrantes sem o visto regular possam frequentar escolas públicas. Entre outras, ficaria subentendida que os professores deveriam delatar a presença destes alunos. Através da criança, a denúncia levaria à família clandestina, com consequente expulsão de todos. "É inconstitucional, e não há nada de semelhante na Europa", critica Fini.

Meno male, ainda resta a voz de uma direita culta e ponderada de Fini neste tragicômico governo Berlusconi-Ato Quarto.

Taí, mais uma razão para reconfirmar minha aversão por classificações ideológicas entre "direita" e "esquerda" nas questões políticas. É que na realidade berlusconiana, não há outro modo de distingui-los.

domingo, 3 de maio de 2009

Boteco da LuMa


Tenho fixação por comidas de boteco. Sobretudo os aperitivos que requer as mãos, e não os talheres.

Quando ainda vivia em São Paulo, havia um boteco autêntico ao lado do meu local de trabalho. De um cearense arretado, chamado Lula. Não desses botecos pseudo-pés-sujos, mas originalmente sujinho. Balcão de fórmica, flâmulas de time no azulejo, banheiro sem o trinco na porta e frequentado por uma fauna urbana indecifrável. Carregadores, desempregados, biscateiros mas também personagens dignos de contos de Plínio Marcos.

A Lula não faltava o pano de prato(sujinho) pendurado sobre o ombro, nem uma Bic enroscada na orelha. Não que precisasse escrever algo, mas era o seu look diário.

Um frequentador de meia-idade, em especial, trazia sempre um ramo de arruda na orelha. Dizia que era para espantar o "olho-gordo". Chinelinho de dedo, bermuda, e no corpo, uma camiseta-brinde surrada, de algum vereador. Possuía também uma Kombi enferrujada, com a qual fazia fretes. Eu me perguntava quem pudesse ter olho-gordo por ele, mas cada qual com suas obsessões.

No bar do Lula, eu também tinha uma obsessão. A de querer experimentar uma fatia de fígado de boi assado com cebolas, que ao meio-dia, pontualmente, ele servia ao pessoal do frete de mudanças. Os peões não deixavam passar um minuto sequer do horário de direito.

Se sentavam para comer a fatia de fígado - já preto e ressecado, com crostas duras por toda a superfície engordurada - , servida com fatias de pão francês. Depois, os homens terminavam a refeição quebrando os ovos cozidos - amarelo, pink e vermelho - , brigando com o saleiro sobre o balcão. "Bota uns grãos de arroz crú no saleiro, Lula!", dizia eu, manifestando a minha indignação feminina, mas ele não gostava de mudanças e nem de inovações.

Meus amigos de trabalho me impediam de fazer o mesmo. E até hoje, carrego essa frustração, de nunca ter provado o fígado do bar do Lula. Mesmo que isso tivesse me custado uma internação por infecção intestinal.

Hoje, fiz comida de boteco em casa. O clima não é o mesmo, claro. Me falta o país. Por inteiro.

Mas vale a nostalgia. Aí vai a lista do que fiz: abobrinha grelhada, temperada com alho e azeite; batata gratinada com queijo; bruschetta; berinjela assada com gengibre e shoyu; oniguiri assado; carne de porco temperada com gengibre à milanesa e uma garrafa de vinho Vermentino di Sardegna regando tudo.