sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O português do armazém


Seu Pedro, o português do armazém, a duas casas depois da minha, era conhecido naqueles quarteirões por "Pedroca, o mão-de-vaca". O apelido não parecia ofendê-lo. Afinal, quem o chamava assim eram apenas os inadimplentes, aqueles que compravam na caderneta e continuavam a não liquidar suas contas depois do dia 10 do mês.

Naquele início dos anos 70, a vida no meu bairro carregava ainda aquela aura familiar e vigilante, onde todos conheciam quem era quem entre os habitantes. Qualquer novo forasteiro que chegasse com o caminhão de mudança já se tornava o argumento da semana. O açougueiro, o padeiro e as janeleiras-sentinelas se proclamavam porta-vozes da ficha completa do novo morador.
Seu Pedro, desconfiado e cauto como era, obtinha logo o currículo do chefe de família recém-chegado para decidir o crédito na caderneta de compras do seu armazém. "Ora, pois, pois, só vendo fiado se estiver empregado na carteira", era o seu mote, enquanto alisava o espesso bigode escuro. Sim, ele reconfirmava o estereótipo do português bigodudo sem nenhum embaraço.

Minhas amiguinhas e eu éramos freguesas pontuais do seu Pedro, ainda que o nosso consumo não alterasse em nada na sua liquidez. Talvez por nossas míseras aquisições, nunca nos concedeu um sorriso - mesmo que esvaziássemos todas as moedas dos nossos cofrinhos - , mas conhecia por bem a honestidade e pontualidade no pagamento de nossas famílias.

Era ele quem cedia na caderneta as varetas e o papel celofane para as nossas pipas. A Jorginho, o melhor dos seus pequenos fregueses, vendia a farinha. Quilos dela para a cola. Afinal, Jorginho detinha o monopólio com a venda do seu infalível cerol e turbinadas pipas naquele bairro. Por tabela, o tino comercial de Jorginho lhe incrementava a venda de varetas (e o troco de balas). Furtivamente, o terá eleito como melhor garoto-propaganda do seu velho armazém. Mas o que lhe importava é que nossas famílias saldassem pontualmente as compras no dia 11 do mês. Incluindo aí nossas jujubas, dadinhos Pingos de Leite e doces de abóbora em forma de coração.

E era naquele armazém - um microcosmo dos carrefours de hoje - abarrotado de panelas, cereais, fumos de corda e doces de validade duvidosa que nós - mesmo sob o olhar inquisidor - , nos entregávamos ao indescritível prazer de afundar as mãos nos cereais contidos em diversas caixas divisórias, das quais pesava e vendia por quilo. A mesma satisfação de Amelie Poulain, na cena em que ela repete o gesto no balcão do quitandeiro-resmungão. A censura de seu Pedro com as nossas brincadeiras nada tinha com a higiene e respeito a outros clientes. Simplesmente não queria que puséssemos as mãos nas suas mercadorias. Justíssimo.

Anos mais tarde, me mudei para o centro da cidade, onde não havia mais nenhum quitandeiro ou armazém na mesma calçada. Apenas escritórios e construções para a verticalização da cidade. O período coincidia com a chegada de grandes redes de supermercados no país, e posteriormente, quando me ví adulta, todos os produtos de consumo já estavam a caminho da digitalização, resumidos em códigos de barra. Terminava alí a lembrança da relação tête-à-tête entre o comerciante e o pequeno consumidor.

Me lembrei ontem do "Pedroca, o mão-de-vaca", ao pagar uma compra num supermercado de rede francesa instalada neste bairro milanês, onde vivo. Semanalmente me deparo com um novo caixa, e ontem, não foi diferente. Ao ser advertido que eu recebera o troco errado, o anônimo caixa me fulminou com olhar desconfiado. Ao perceber o próprio erro, apenas franziu a testa resmungando algo em dialeto sulista, aborrecido com a perda de seu precioso tempo. Mudo, me devolveu com gestos bruscos o valor restante, sem me dirigir os olhos ou uma palavra de desculpa.

A memória do seu Pedro me fez sorrir, ao lembrar que no fundo, a sua honestidade e integridade suplantavam largamente a reputação de rabugice e avareza. Ao menos nos dirigia pelo nome e nos tratava com cortesia. Ainda que nos oferecesse sempre balas como troco.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Saving private Berlusconi


Começa hoje no Senado o debate sobre a lei Alfano. O exército do governo italiano já está munido de todo arsenal bélico e dialético para o resgate do soldado Berlusconi. O Senado cederá, certamente, ao 18° salvo-conduto dos últimos 15 anos, libertando-o de acusas por corrupção, fraude tributária, conflitos de interesse, envolvimento com as máfias, e outras mutretas.

Se aprovada mais essa lei ad personam, que encurta os processos penais, Berlusconi poderá se safar mais uma vez com a prescrição. E junto, todos os processos de corrupção que envolvem outras grandes empresas nacionais e internacionais no território italiano.

A lei é milimetricamente sob medida, - para ele e o seu conglomerado - com a precisão da tradicional alfaiataria italiana. Na cadeia restarão apenas ladrões de galinha.

Parece que já ví esse filme no outro lado do Atlântico.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Evocação do presente


Ao bisbilhotar a sacola de compras que meu marido trouxera ontem do supermercado, encontrei entre suas provisões semanais de produtos dietéticos uma agradável surpresa, à qual ele pretende aderir regularmente: uma confecção inteira de Yakult, tal qual tomei até a minha adolescência. A mesma familiaridade na embalagem, cor e logotipo, não fosse a distinção que tudo está em italiano, com o slogan "Buongiorno salute". Ao abri-lo, sentí seu sugestivo odor acre acionar o rewind da minha memória, rebobinando a minha existência até os anos 70.

Para um brasileiro, a minha nostalgia pode soar estranho, mas o fato é que a presença deste pequeno frasco de lactobacilos no mercado italiano é mais que recente. Lançou-se aquí há apenas dois anos, no início de 2007, sob a licença da matriz japonesa e da Yakult Europe. Segundo a embalagem, a produção européia é inteiramente centralizada na Holanda. Seria antagônico, portanto, se eu não estivesse há 20 anos sem consumí-lo, senão nas poucas vezes em que eu o levei à boca durante as viagens ao Brasil.

Com os tempos que correm, era natural que a filial italiana limitasse sua distribuição apenas às grandes redes de supermercados. Não conhecerão, portanto, a aura romântica que nós brasileiros atribuimos à infância, dos tempos em que senhoras e donas-de-casas batiam nossas portas com seus carrinhos refrigerados cheios de frascos. Para nós, o produto é um contemporâneo de tantos pais e mães de famílias (ou até avôs), pois segundo o próprio site, a filial brasileira instalou-se no país há 41 anos, em 1968. Aquela mesma fábrica de São Bernardo do Campo, em São Paulo, de cuja rodovia que a atravessa, se vê (ou não mais?) instalações de vaquinhas em tamanho natural, distribuídas pelo gramado.


Ontem, enquanto eu sentia seu sabor tão íntimo e familiar expandir-se por todo o céu da boca, fui tomada por uma irreprimível curiosidade. Se haverá ainda no Brasil a distribuição porta a porta, por aquelas senhoras de carrinho. Como afago à nostalgia, prefiro pensar que elas ainda resistem. A desolação combinaria apenas com esta versão italiana, tão semelhante à brasileira quanto impessoal e anônima para o meu íntimo. Falta-lhe memória ainda.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ponto G superior


Confesso que nunca entendí bem o que é 'ponto G'. Tenho certeza apenas de uma coisa. Depois de uma certa idade, as delícias orgásticas localizam a fraqueza humana bem lá pra cima do corpo: o paladar.

Eu identifico na porchetta, um prato italiano cuja paternidade é polêmica - entre a região de Lazio e Sardenha - , o meu ponto G incondicional. Trata-se de porco desossado, marinado com mil temperos e assado por longas horas no carvão, cuja origem é bem remota. Diz-se que os etruscos, bem antes dos romanos, é que descobriram o tal orgasmo. Logo, os etruscos antecederam a farmacêutica Pfizer de ao menos 2.500 anos.

Os preliminares não são lá muito diferentes do outro. Com a internet, o cortejo pode iniciar com um 'enter' de dentro de casa, mas habitualmente começa na rua, ao identificar a 'presa' numa vitrine de frios de um supermercado ou de um açougue. Dalí, a tentativa de consumar o ato se torna incontrolável. Quando encontramos o 'alvo' num jantar de amigos, tudo bem, a excitação é grátis e nem precisamos lavar os pratos. Mas quando temos que pagá-lo, o preço pode ser um pouco salgado, mas vale recorrer à prostituição. Custa em média 25 euros o quilo. Na dúvida, basta pedir uma amostra de acordo com a carteira - coisa de 200 a 300 gramas de porchetta - e já teremos uma meia-satisfação.


Após o clímax, acende-se aquele mítico cigarro a la Marlene Dietrich - apenas entre fumantes, para ser politicamente correta - enquanto a comida se assenta silenciosamente no estômago. E dependendo do grau de satisfação, pode-se permitir ao desleixo de tirar uma sonequinha em seguida. A tristeza e o sono após a comilança é um ritual que aos homens são permitidos, mas não perdoados pelas mulheres. Elas gostam de afagos, mesmo depois de satisfeitas. E lembrem-se. É quase sempre ela a ter que lavar os pratos, terminado o prazer.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O sobretudo chinês


Me lembro, como fosse ontem, tudo o que compunha a casa de um velho chinês, a quem meu pai fazia frequentes visitas me puxando pelas mãos. Ainda que a língua portuguesa os acomunasse com dificuldade, ambos recorriam à comunicação mais prática, a escrita, através de ideogramas rascunhados num papel ou desenhados com um graveto no seu jardim.

Como se sabe, a fonética entre o chinês e o japonês é tão semelhante quanto o é entre o português e o tcheco. Se estes possuem o alfabeto em comum, os primeiros têm os ideogramas. A amizade entre ambos prevaleceu entre os meus 7 a 10 anos de idade, na segunda metade dos anos 60.


O velho chinês fora um combativo militante na Manchúria contra o imperialismo japonês. Posteriormente, fora um coronel de Kuomintang, o partido nacionalista sob liderança de Chiang Kai Chek, antes que este se refugiasse à Taiwan e a China fosse definitivamente ocupada por Mao. Fugira com a esposa para o Brasil com o que restou do espólio comunista. De sua esposa, minha memória se mantém muito viva.


Era uma senhora muito refinada nos gestos e na economia de palavras. O que chamava a minha atenção infantil eram seus pezinhos minúsculos, quase do tamanho dos meus de então. Só depois de adulta eu soubera que se tratava de membro da alta corte pré-revolucionária. Seus pezinhos denunciavam a secular tradição das mulheres nobres. Quanto menores os pés, mais alta a castidade física - sinônimo de graça e beleza até o início do século 20. Certamente proviera de ambiente cujo cotidiano era circundado por criados até para se deslocar no interno doméstico. Sabe-se lá que odisséia tenha passado o casal para fugir das garras ostensivas de Mao, até chegar a outro lado do planeta.


Como no ditado popular, os lobos perdem os pelos mas não o vício. A remanescente aristocrata não renunciava aos pequenos luxos naquela pacata zona rural paulista dos anos 60. Não sabia cozinhar ou cumprir as menores tarefas domésticas. Me lembro, com muita lucidez, de sua imponente cristaleira, cuja estrutura de madeira era minuciosamente entalhada em alto relevo com dragões e motivos floreais, que remetiam à pompa da corte imperial que conhecemos nos filmes. Dentro dela, inúmeras porcelanas, cuja milimétrica espessura da refinada manufatura chinesa traduzia, mesmo para uma criança como eu, a condição social em que vivera até a chegada ao Brasil.


Numa das inúmeras visitas que meu pai fizera ao amigo - sempre comigo a tira-colo - o velho chinês retirou do imponente baú de couro, seu velho uniforme militar, que hoje faria estremecer de fúria qualquer animalista adormecido. Mostrou, com um certo orgulho, um velho sobretudo militar de lã, enquanto "conversavam" em ideogramas rabiscados sobre um caderno. Vestira, paradoxalmente, na guerra russo-japonesa na Manchúria, para se proteger do frio siberiano ao lado de russos, contra os japoneses.

O sobretudo, longo até o tornozelo para os seus um metro e oitenta ou mais de altura, mereceria um capítulo à parte. Seu forro era inteiramente confeccionado com caudas de tigre - sabe-se lá quantos tigres foram sacrificados - para suportar a temperatura siberiana das campanhas militares.


Me lembro, com grande lucidez, que cheguei a tocar o forro daquela vestimenta com as mãos trêmulas, num misto de incredulidade e compaixão. Naturalmente o sobretudo era reservado apenas aos militares de alta hierarquia como ele. Tal experiência me leva a crer, com grande convicção, de que aquela fora a minha primeira e última rara ocasião em que tocara várias caudas de tigres, sem o risco de ser inteiramente engolida por eles. E sob o calor de um país tropical, tão distante no tempo e no espaço daquele estranho contexto.


Mas o que ficou na minha memória foi a amizade entre ele e meu pai. Além da diferença etária que os distanciava, havia ainda o muro linguístico-verbal e o embaraçoso paradoxo de suas nacionalidades: as razões ideológicas de suas respectivas nações no conflito, culminadas em guerras. A amizade havia extrapolado a semântica destas razões e imposto a distinção dos ideiais de uma nação do individual.

O velho chinês falecera quando eu era ainda uma adolescente. Meu pai faleceu em 1996, com 80 anos de idade, num quarto abarrotado de livros, todos já empoeirados e intactos, à beira de sua morte. Morrera com ideais pacifistas que sempre tivera, ainda que ele mesmo fosse filho de um militar japonês, que combatera na Manchúria contra os chineses.





terça-feira, 10 de novembro de 2009

Médioman



Vivo num prédio de cinco andares, em cuja ala divido o espaço, entre outros, com duas moradoras cantoras de ópera. A do quarto andar é cantora profissional do teatro Scala de Milão, sempre em turnê pelo mundo - e agradeço as forças divinas por isso. A outra, minha vizinha direta de paredes, que ama a música lírica por prazer, já que se trata de uma engenheira que vive só, com seus quase 50 anos de idade. Esta, além do canto, há como hobby o teclado - eletrônico suponho, e não piano - além do que parece praticar melhor, a flauta. Confesso, em certos horários prefiro esta última.

Deixo claro que aprecio a música lírica. Aliás, eclética como sou, gosto um pouco de tudo, desde que o canto não estoure meus tímpanos às 7 da manhã ou depois da meia-noite, como esta vizinha direta costuma fazer. Para tudo há um horário e volumes justos, convenhamos; ainda que eu viva num país onde poucos se importam com a poluição sonora. Aquí se fala, discute, buzina, rí e se diverte em altos decibéis.

Sou da legião dos silenciosos. Tenho o meu velho fone de ouvido para a TV por princípio, que serve também para ouvir uma música. Com o fone ouço nitidamente até o murmurar do vizinho do personagem quase mudo de um Bergman (!) e ainda, não incomodo ninguém. Mas isso é apenas uma escolha minha, num mundo onde cada um grita pelos seus direitos de ir e vir, ouvir e falar.

Não me passa pela cabeça reclamar desta vizinha. Eu apenas procuro tossir mais forte para que ela perceba a minha presença deste lado da parede. Esperando, quem sabe, que desperte o seu bom senso para que diminua o volume. Se sabe, vivemos numa sociedade em que tudo é classificado em bom gosto e mau gosto. Não sei quem os determina, mas assim os são, de fato. Se eu pusesse um Reginaldo Rossi a alto volume, seria uma afronta aos vizinhos e eu seria apedrejada. Se se trata de música 'culta' no mesmo volume, tudo se encerra e se absolve em nome do 'bom gosto'. Por que se sabe, o bom gosto é elitista, e está acima de tudo.

Falei disso tudo porque faço um paralelo com a estudante da Uniban. Um parâmetro forçado, quem sabe, já que se trata de diferença visiva e outra, sonora. Aquele vestido rosa-choque é horrível de fato. Mas me intriga saber se ocorreria o vandalismo se o mesmo vestido fosse assinado por Dolce Gabbana com a etiqueta à mostra. Ou, se ela fosse uma famosa personagem televisiva que o tenha adquirido na Daslu. Quem determina o bom e o mau gosto? O mau gosto é suficiente para merecer pedradas? Ou somos forçados a ser classistas para não sermos marginalizados? Hipocrisia, claro...


domingo, 8 de novembro de 2009

Chove chuva



Coisa de domingo chuvoso, sob 5 graus de temperatura, trancada em casa. E, enquanto não chega a tirânica segunda-feira, como não ouvir isso?
Mas cá entre nós, como Morrissey envelheceu. E novamente, cá entre nós, eu também. E lá se vai uma garrafa inteira de um Barbera, enquanto ouço coisas de outros tempos.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hipocrisia Institucional


Não assisto a tevê se não aquela que eu pago. Todo o resto, os canais abertos, requer um estômago de ferro para assisti-los. São uma eficiente máquina de propaganda ideológica do governo Berlusconi, dono de tudo aquí, cujos apresentadores de programas medíocres são armados de invejável habilidade para institucionalizar a hipocrisia. E desta, articulam para a Verdade oficial incontestável.

Ontem, cometí o erro de fazer um zappping nestes canais berlusconianos. E está aí o poder de persuasão. Caí na besteira de parar num programa de Inquisição midiática camuflado em 'debate político'. Inquisidor porque o 'réu' era um político de oposição deste governo, Piero Marrazzo, flagrado duas semanas atrás em traje sumário com uma travestí brasileira. O caso de Marrazzo, até o momento da investigação, é mais uma vítima de um escândalo armado pela mídia, policiais corruptos, políticos e empresários ligados ao governo, incluindo aí barganha do vídeo de flagrante entre sí.

Mas a hipocrisia do programa, visto por milhões de italianos, o transformou num "réu" com a despudorada intenção de rebaixá-lo moralmente apenas pela sua orientação sexual, a de preferir uma travestí como companhia. Uma condenação de Marrazzo foi conveniente para absolver retroativamente Berlusconi, pelas suas 'festinhas sexuais' que recentemente ocuparam as páginas internacionais.
O debate escamoteava a defesa do primeiro-ministro com uma pauta do tipo "o pivô era ao menos uma mulher, e não uma indecente travestí, ainda mais clandestina". O réu, ausente no programa, foi jogado em meio à grande fogueira e acusado por um "crime muito mais grave" e portanto, a oposição não teria direito de inferir sobre a nota debilidade de Berlusconi por lolitas.

Para botar mais lenha na fogueira, a deputada Alessandra Mussolini, neta do ditador e líder de um partido de extrema direita italiana disparou: "Se meu marido me traísse com prostituta ou com outra mulher, posso até perdoá-lo, mas com uma travestí, jamais!" E sobrepondo sua voz a altos decibéis para abafar a única representante transsexual no programa, ainda ironizou com desprezo: "Tenho orgulho de ser mulher, porque só nós podemos ser progenitoras da humanidade, e vocês nunca poderão sê-las!".

Suponho que ela e todos os aduladores de Berlusconi ainda terão filhos e netos nesta vida. Ou seus descendentes estarão fadados à orientação apenas heterossexual? Se a televisão já é por sí um gerador de trash, que outro adjetivo poderia atribuir à televisão italiana? Até o momento não encontrei. Tenho apenas medo dela. Muito medo pela integridade dos bons italianos. Meno male, eles ainda resistem.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Praga e a praga

Músicos de rua num alegre rítmo de gypsy-jazz.

Esperava encontrar uma praga de baratas kafkianas como eu, caminhando pelas ruas de Praga. Mas diante da sua beleza, do inseto retornei ao estado de gente, e passeei estes últimos dias me sentindo um pouco mais humana.

Há tantos zilhões de sites, blogs e artigos de viagens sobre Praga na rede que decidí não escrever nada sobre ela. O fato de eu estar feliz, longe de casa, já valeu a viagem. Distanciar-se das nossas referências faz sempre bem à alma, não importa o destino.

Casa tcheca de Mozart, onde ele se sentia mais em casa que em Viena.

Praça Staromestské Námestí. Ao lado, relógio que informa a posição das estrelas, dos planetas e da hora.
De volta à casa, estou sofrendo a terceira metamorfose. Desta vez, me sinto uma joaninha. Pequena, mas feliz.