
A todos aqueles que eventualmente passar por aqui, um bom Natal e um ano novo melhor que este que termina.
Boas festas a todos!
Querido Papi Noel Berlusconi,
Sabe, já faz um bocadinho de tempo que não sou mais tão lolita criança para participar de suas festinhas privadas, se bem que eu queria um colarzinho de diamantes brinquedo no Natal também. Sabe, como aquele que o senhor deu escondido àquela criança mocinha, a Noemi? Mesmo assim, eu lhe peço encarecidamente que leia esta cartinha e me reserve um minutinho de atenção.
O Natal está às portas. Se me consente, prefiro lhe chamar de Papi Noel, por tanta benevolência com meus amiguinhos italianos nos últimos anos e, mais ainda, com os esfomeados imigrantes que vivem no seu país. Seu altruísmo com os oprimidos não há limite, e o senhor mesmo repete a propaganda isso na tevê, todos os dias.
Mais generoso ainda é com a minoria mafiosa invisível, os empresários sem-tetos, os parentes banqueiros necessitados e com o próprio patrimônio empresarial do povo. São tempos duros para eles, eu sei... Por isso é que o senhor vai priorizar esses meninos com bons presentes, e se sobrar um tempinho, vai dar um alô ao resto da criançada desempregada em rede nacional mesmo. Qual criança não fica feliz apenas com um sorriso como seu na TV?
Mas...sabe aquele seu ajudante que se senta à direita no Parlamento aí na fábrica de brinquedos, o neofascista o Seu Bossi? Ele estranha um tiquinho com crianças que não sabem rezar o Pai Nosso, não é mesmo? Sabe, aqueles barbudinhos que usam turbantes ou caftans e só comem kebabs? Parece que neste Natal, ele quer ser bem generoso e presentear os meninos com uma alegre excursão à Meca, sem retorno. Disse que vai fazer o mesmo com os meninos tropicais que se vestem de meninas e só brincam à noite; mas também com os traquinas que vendem bolsas Shanel nas ruas. Seu Bossi diz que o Natal tem que ser "White Christmas", e não "Black Christmas" ou "Brown Christmas". Não entendí direito...
Pois então, neste Natal, eu lhe peço um presentinho a todos os desamparados da minha escolinha. Em especial, aos meus amiguinhos italianos, digamos, para os 49% da escola. Tá certo, eles são um pouco rebeldes sem causa e não votaram no senhor, mas eles são bem mais estudiosos e não ficam colados na sua tevê como o resto da turma, eu lhe garanto.
Peço também uma lembrancinha aos meninos da Magistratura, que fazem a lição de casa direitinho, mas vivem apanhando da diretoria e acusados de mentirosos. Lembre-se Papi, que alguns destes meninos de beca já morreram debaixo de bombas brincadeiras armadas por seus afilhados moleques de rua lá do sul.
O presente? Nada de caro, bem baratinho mesmo, porque sei que o seu orçamento é bem apertado com essa crise toda. O senhor é que fez bem, em ter estocado um monte de brinquedos para sempre, lá nas suas fábricas Finivest e Mediaset, e até nas filiais de algumas ilhas partes do mundo. Os meninos aqui carecem apenas de algumas coisinhas simples, tipo leis. Leizinhas contra a corrupção da diretoria da escola, contra a imunidade dos protegidos do professor e contra alguns trombadinhas de rua que vivem ameaçando os meninos de beca durante as aulas de pesquisa.
Tá vendo que não vai gastar muito? Olha, um último pedido. Não deixe aqueles meninos "pianistas" da sua fábrica votarem o contrário, hein?
Beijos, Papi Noel, vou esperar sentada ansiosamente pela sua promessa.
Muito obrigada.
Casa tcheca de Mozart, onde ele se sentia mais em casa que em Viena.
A pouco mais de cem metros da minha casa fica o prédio onde até dezembro de 2007 sediava a editora italiana da revista Reader's Digest, a Selezione. A versão italiana antecipou de dois anos a bancarrota que a matriz americana está para anunciar, depois de 77 anos de história. Está em vermelho astronômico de 2,2 bilhões de dólares. Apenas no mercado americano.
Da janela do meu quarto posso avistar o prédio, hoje ocupado por outras empresas. E ao abri-la, é inevitável não me recordar de sua edição brasileira e da minha infância. Infância cujo período era a cavalo entre o final dos anos 60 a meados de 70. Sou caçula de muitas irmãs, de cujas leituras incluía a revista Seleções. A pequena revista se movia pela casa, ora no banheiro, ora no sofá, para quem quisesse folheá-la.
Tratando-se de tradução americana, a revista era de fato um compêndio condensado da doutrina americana no combate à ameaça soviética. Com acesas propagandas anti-comunistas, - como a seção "Conversas na Caserna" - , razão porque a revista era certamente classificada como 'reacionária' por aqueles brasileiros que combatiam a ditadura militar de então.
Longe de ser reacionárias, minhas irmãs eram assíduas leitoras de suas dietas, biografias de personagens célebres, sinopses de alguma nova descoberta científica ou resumo de um romance. Mas, sobretudo, devoravam os imperdíveis aforismos nos rodapés de suas páginas. Quase sempre muito moralistas e patrióticos, que enalteciam o modo de vida americano. Com seus cortadores de grama, halloweens, disciplinas militares e coisas que eu nunca os havia ouvido falar.
Tendo apenas 11 ou 12 anos de idade, eu me concentrava mais nos rodapés, cada vez que elas chegavam da banca com a nova edição. Eu corria para ler primeiro a "Pausa para o Café", seguida de aforismos e piadas.
Foi também nesta revista que me encantei, pela primeira vez, pelas pinturas de Norman Rockwell, quem ainda o associo àquela revista. Minha primeira 'paixonite' por algum pintor, talvez. Mas colecionava também minhas leituras infantis, a revista Recreio e os fascículos da enciclopédia Disney, enquanto me entupia de dadinhos Pingo de Leite naquele velho sofá vermelho.
Só me distanciei da revista Seleções por volta de 73 ou 74 - sempre por tabela - , quando minhas irmãs já haviam diversificado suas leituras entre as revistas Planeta e a musical Pop, para disperdê-la completamente nos anos sucessivos.
Afinal, a tevê em cores estava para chegar ao nosso lar. Mas não sem antes ter comprado aquela folha plástica em três faixas de cores - azul, vermelho e verde, se não me engano - que colávamos no aparelho para fingir que já dispúnhamos de cor. Estávamos sob o governo Médici, e eu nem sabia o que fosse uma ditadura militar.