sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Quintal


Estranhamente, não há uma precisa tradução em italiano para a palavra 'quintal'. Não se trata de nenhuma deficiência do léxico italiano. Como em todas as línguas, é apenas diferença de nuança, que só a própria realidade é capaz de sugerir a certas palavras. Talvez por isso, nunca me sinto completamente traduzida quando me refiro à palavra, com os amigos daqui.

Tal qual a nossa, na morfologia de construção da casa italiana inclui naturalmente um quintal - ora chamado de cortiletto di fondo , outra de giardinetto - , mas seu uso se limita apenas ao significado físico-espacial. Já para um brasileiro, o quintal não é apenas o fundo de casa; ele transcende a semântica. Foge ao controle e torna-se um conceito, quase sempre associado ao conforto familiar e doméstico. Torna-se privacidade, abundância, socialização e um universo de outras sugestivas sensações.

Minha avó possuía um pedacinho deste universo abstrato. Era o seu espaço de contemplação. Do seu quintal podia avistar o contorno azulado da majestosa serra da Mantiqueira ao fundo. Em tempos de florada, os distantes ipês tingiam aquí e alí de manchas amarelas os pastos vizinhos.

Passar as férias na minha avó exigia paciente espera por todo o ano escolar. Naquela idade, a distância até a cidade situada no Vale do Paraíba parecia uma viagem infinita quanto seria a Austrália, em tempos de hoje. Meu pai me puxava pelas mãos, de trem, através daquela sonolenta ferrovia São Paulo-Rio, sem nenhum horário preciso. Depois, pegávamos ainda o ônibus da Pássaro Marron, quando ainda mantinha a sua cor original, para descer naquele ponto onde frondosos e perfumados eucaliptos abriam caminho até a sua casa.

No seu quintal, o tempo passava lentamente. Um gigantesco abacateiro alimentava os porcos do curral, enquanto as goiabeiras ao lado não maturavam seus frutos. E de frente à sua cozinha, dois mamoeiros exibiam o ano todo os frutos daquele casamento. Meu tio dizia que o mamoeiro macho se sentia só, sem uma companheira ao lado. Só juntos é que podiam dar frutos doces, para a alegria das galinhas que ciscavam sob seus pés. Ainda hoje, quando vejo um mamoeiro no quintal alheio me pergunto se o dono se preocupou em encontrar uma noiva para ele.

Comprei estes dois mamões papaya esta manhã, já que reservo os finais de semana para colocar algo em boca que me conforte a nostalgia do sabor brasileiro. Quando me encontro na casa da minha mãe, faço questão de saboreá-los sentada no seu quintal. Um espaço confortante, ainda que seja todo cimentado. Enquanto sonho nesta parte do hemisfério, com uma casa em algum paraíso bucólico onde contemplar melhor a vida, me contento saboreando estas papayas vindas de longe.


8 comentários:

AMARela Cavalcanti disse...

eita que delícia! mamão e quintal...
inveja boa, luma querida!!!

beijos!

Teodoro disse...

Tem palavras que não dá para traduzir, tem que sentir.

LuMa disse...

Amarela:
Inveja, eu é que tenho de vc,rs. Na sua região, frutas e quintais coloridos de vida tem em abundância!

Teozinho:
Repito sempre que vocês felinos, estão muitos passos à frente do homem. Vc como a minha Peppolina dispensam o uso da palavra. Basta um ronronar, um olhar, e o sentimento é compreendido. Beijinho e 'gimme five' de patinhas!

Anônimo disse...

Nessa epoca a Nanci ja estava fumando 2 a 3 cigarros por dia. Todos do meu maco.

Nesse sabado peguei tudo relacionado a cigarros (macos, cinzeiros, isqueiros e mais outros macos,cinzeiros e isqueiros) e joguei fora.
Ate meu Zippo.
Assim, bate e pronto.
Nunca mais voltei a fumar.

O ilegal ja tinha parado muito antes.

Besos!

Anônimo disse...

LuMa não faz isto comigo quero o meu quintal, com dois pes de mamoeiro.bjs.

LuMa disse...

Nei:
A esta altura do organismo, tudo é ilegal, é imoral ou engorda:)

Anonima:
Eu tbém sonho com um quintal, cheio de mangas coquinho, goiabas e mamões. Só me resta saber qdo é que poderei viver deles! Abraços, e obrigada pela visita.

Anônimo disse...

Minhas ferias favoritas eram em Sabauna em um sitio de primas da minha mãe. Eram 5 irmãs que nos paparicavam e nos diputavam.
Era um sitio com muitas mangueiras e passavamos muito tempo pendurados nelas. Montávamos no cães (é verdade, nos cães) para irmos às cachoeiras nadar. Ainda sonho com aquele quintal, gigantesco sob meu ponto de vista de criança, que me traz lembranças felizes de simples afazeres como pegar ovos no galinheiro.

beijos
anna

LuMa disse...

Anninha:
Uma delícia, o seu comentário. Sabaúna é muuuuuiiiito legal, e ainda hoje é melhor que Guararema. A propósito, me deu uma vontade danada esses dias de comer manga-coquinho. Comprei uma mangona verde (só tem verdes) outro dia, e cê acredita que deixei mais de 10 dias embrulhado no jornal e a fruta não amadureceu?