sábado, 27 de dezembro de 2008

Berlim Oriental II


Após me defumar o dia inteiro com os escapamentos de Trabants e me entupir de cerveja no Alexanderplatz para consumir os 60 marcos, retornei à rica Berlim Ocidental já ao escurecer. Sem nenhum souvenir ou lembranças das 24 horas da sua metade oriental. Souvenirs são coisas de capitalistas, diriam alguns. Trazia comigo apenas fotos.

Meu único problema era o frio. Era final de março. Os albergues estavam lotados de estudantes japoneses e americanos. E à mim, sobrou apenas uma vaga num moquifo de meia estrela, com a calefação acesa ao mínimo. Na minha mochila, possuía apenas 2 pares de meias de lã, que eu as lavava e secava continuamente sobre o termossifão para prosseguir a viagem.

À noite, perambulando pelas ruas da cidade, me deparei com uma surpresa, um suspiro de familiaridade. Numa iluminada galeria de fotos, identifiquei o nome de alguém que o conhecia. O de Yuji Kusuno, fotógrafo japonês, que viveu entre Tokyo e São Paulo durante os anos 70 e 80. O caçula dos irmãos Takao e Tomoshige Kusuno. Takao, o falecido coreógrafo introdutor de Butô no Brasil e um dos promotores de Kazuo Ono, no Brasil. Tomoshige, o pintor com obras nas mais importantes galerias do Brasil e no mundo.

Na verdade, conhecia Yuji Kusuno apenas por cima. Um “oi” aquí e alí em São Paulo. E se não me engano, eu o encontrara rapidamente em Tokyo no ano anterior, em 87, num escritório onde se reuniam japoneses simpatizantes do Brasil. Para dizer a verdade, eu mal conhecia suas obras.

Me bastou ver um nome familiar num território neutro de Berlim Ocidental para que eu me sentisse em casa naquela ilha feliz, cercada por muros socialistas por todos os lados. Não é fácil mochilar sozinha, sabe como. Não temos com quem dividir emoções. Nem com quem advinhar aqueles nomes extensos em alemão, cheios de consoantes, para evitar aquela sensação alienígena.

Dias depois, peguei o caminho de volta, atravessando novamente o território da Alemanha Oriental, rumo à Amsterdã. Olhando as paisagens melancólicas dos campos coletivos através da janela do trem, tive a sensação de que havia deixado um único companheiro de viagem naquela cidade. Mesmo sem nunca tê-lo conhecido realmente.

Dalí a poucas horas, os campos de tulipas e os moinhos de vento já haviam virado a página e o nome de Yuji Kusuno ficou para trás.

O que ele estará fazendo hoje em Tóquio? Nem vou clicar o Google, para que não estrague essa nostalgia de fim de ano.

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