
Gosto de queijos. Gosto muitíssimo de queijos. Mas gosto deles apenas porque gosto de comê-los. E não para entediar os amigos com conversas sobre vida, morte e milagre de fungos que não passam de leite apodrecido. Tudo bem, há podres e podres no critério pessoal deste prazer. Mas após degustados, o prazer morre comigo, e por alguma falha no hipocampo da memória, seus nomes complicados em francês também.
Conversando certa vez com um velho comerciante de queijos - naturalmente um grande experto no assunto - , perguntei-lhe qual dos tipos previamente escolhidos por mim fosse o melhor. "O melhor é aquele que mais agrada ao seu paladar, não importa se popular ou raro", respondeu, com sorriso. Justo. Cada juízo é sempre subjetivo, condicionado pela combinação entre os sentidos e o cérebro, o órgão que realmente vê, prova, cheira e toca para formar o juízo pessoal.
Lí tempos atrás em algum lugar que Robert Parker, aquele implacável crítico norte-americano de vinhos mais influente do mundo - o carrasco que estabelece a vida ou a morte das vinícolas internacionais - tivera os olhos vendados por um desafio. O de provar e avaliar no escuro diversas garrafas e safras. O resultado foi penoso. Avaliou como 'melhor' o mesmo vinho que antes, de olhos abertos, classificara como 'pior'. E confundiu ainda um Bordeaux de um vinho ordinário, entre outras gafes.
Isso vale uma desforra para os comuns mortais. Com todo respeito aos sommeliers e degustadores de vinho, faço parte daquela leva de consumidores que nunca alcançou percepções elevadas e tão precisas - mesmo num vinho mais celebrado e celebrizado - naquele suposto retrogosto de nozes, amoras, flores ou madeira, que só as autoridades enológicas dizem ter alcançado. Percepção é tão mutável quanto o humor e o tempo. Ou não?
E há vaidades que vão além. Nos olham com um certo desdém e um brilho quase divertido de pena e humilhação apenas porque a nossa reles sensibilidade gustativa, onde já se viu, não identificou a "sinfonia dos ventos que descem as montanhas de Vosges e lambem as águas do Reno no retrogosto de amoras desse Pinot Noir". Nas resenhas enológicas que circulam por aí não faltam literaturas deste gênero.
Bem mais enfadonho é aquele que numa roda quer desfiar prova de sofisticação disparando jargões enquanto inicia uma lenta e presunçosa ritualização para a simples abertura da garrafa. Cheira a rolha, enrosca a taça entre os dedos e a faz girar fixando o olhar no infinito, como se a nossa presença importunasse seus egos por estar no mesmo ambiente. Naquele momento, é certo que a falsa autoridade nos abandona por outra dimensão. Quem sabe, numa Val de Loire celestial cercado apenas por membros seletos de sua confraria, esquecendo-se que amanhã é segunda-feira e tem um cheque alto que vai cair, enquanto a esposa grita lá da cozinha para que ele desça logo com o saco de lixo.
Respeito os verdadeiros conhecedores de vinho, os que sabem distinguir a exposição das vinhas, do seu sabor e dos frutos. Um técnico, sem a pretensão de um literato. E quanto mais o pseudo-experto se perde em literatura enológico-filosófica, mais me convenço de que o comerciante de queijos tenha razão. O que eu quero é apenas o meu copo cheio do que me agrada, e me basta assim.
Nestas festas, haverá quem abra uma Sidra Cereser e outros poucos, um Perrier-Jouet. Os sabores são fugazes e seus preços são meros condicionamentos de mercado. Festa boa é aquela que nos faz feliz. Até mesmo com uma tubaína.