
Por hábito, peço sempre a última poltrona do avião quando a viagem é longa, na esperança de que eu possa dormir dignamente deitada, quando o voo não está lotado. A escolha do fundo é sempre uma loteria, pois nos reserva também surpresas desagradáveis. Se não é a incessante descarga no banheiro, são as pontuais conversas e gargalhadas incivis de passageiros entediados. Com a desculpa de esticar as pernas, se aglomeram lá no fundo em animados bate-papos. Sem o menor respeito aos que dormem em torno.
Mas foi naquele estreito 'ágora aéreo', que me ví inúmeras vezes transformada - ainda que eu fingisse profundo sono - em confidente involuntária de conversas de turistas estrangeiros, com aberrantes lugares-comuns acerca do país de destino. E não há desconforto ou frustração maior que ouvir suas piadas e não poder replicá-los, quando o tal destino é o próprio país de origem.
Na triste estatística pessoal, sete em dez viagens ao Brasil, ouví excitadas conversas de expectativas pelo paraíso brasileiro de "mulheres fáceis", por grupos despudoradamente constituídos apenas de homens, solteiros ou aposentados. Alemães, suíços, italianos ou holandeses, não importa; quase sempre com o destino final em alguma cidade da costa brasileira.
Nem é necessário compreender suas línguas para intuir o contexto, pois bastam alguns substantivos em português saltarem cá e lá nas suas conversas, intercaladas de grandes gargalhadas, como se ao redor não houvesse presença de brasileiros. Palavras-chaves como "mulata", "favela", "veado', "bunda" e outras coisas inomináveis, supostamente pescadas na internet ou nos guias turísticos promovidos no exterior pela própria Embratur. Ou até mesmo sugeridas por brasileiros que vivem nos seus países. E afinal, o que dizer se agências do próprio governo brasileiro instrumentalizam a expectativa, com fotos de mulheres seminuas, com o Corcovado ao fundo, para vender o próprio turismo fora do país?
Num dos tantos sonos roubados a caminho do Brasil, me chamou atenção uma conversa sussurrada entre três italianos, de me fazer estremecer, logo ao lado da minha poltrona. Supunham, talvez pelos meus traços orientais, a ignorância da língua. Valiam-se de expressões 'codificadas', mas bem compreendidas por mim. Discorriam sobre um brasileiro que os aguardava no aeroporto, com roteiro 'turístico-sexual' supostamente personalizado, incluindo aí a garantia de pousadas em companhia de 'ragazzini' e 'ragazzine', meninos e meninas, durante a permanência numa cidade nordestina. E sem nenhum pudor, e com uma calculadora nas mãos, se puseram a contabilizar a 'tarifa' delle ragazzine - como fosse aquisição de mercadoria qualquer - e outras vantagens oferecidas pelo câmbio de moedas.
Hoje de manhã, ao ler
este artigo na Folha, meus dedos dispararam sobre os teclados para escrever este texto. Um impulso talvez para contrapor o senso de impotência perante conversas como aquelas, ouvidas durante os voos, e pela ausência de um cerco mais severo contra o turismo sexual no Brasil. E quanto ao artigo, Robin Williams apenas confirma o que se espera do nosso país. A começar pelo que a própria Embratur vende aos estrangeiros.
Segundo os dados de 2008 da Unicef, 80 mil italianos se lançam anualmente ao turismo sexual.
Quantos serão os americanos, japoneses, alemães e outros tantos estrangeiros prontos para o embarque hoje?