Tenho fixação por comidas de boteco. Sobretudo os aperitivos que requer as mãos, e não os talheres.
Quando ainda vivia em São Paulo, havia um boteco autêntico ao lado do meu local de trabalho. De um cearense arretado, chamado Lula. Não desses botecos pseudo-pés-sujos, mas originalmente sujinho. Balcão de fórmica, flâmulas de time no azulejo, banheiro sem o trinco na porta e frequentado por uma fauna urbana indecifrável. Carregadores, desempregados, biscateiros mas também personagens dignos de contos de Plínio Marcos.
A Lula não faltava o pano de prato(sujinho) pendurado sobre o ombro, nem uma Bic enroscada na orelha. Não que precisasse escrever algo, mas era o seu look diário.
Um frequentador de meia-idade, em especial, trazia sempre um ramo de arruda na orelha. Dizia que era para espantar o "olho-gordo". Chinelinho de dedo, bermuda, e no corpo, uma camiseta-brinde surrada, de algum vereador. Possuía também uma Kombi enferrujada, com a qual fazia fretes. Eu me perguntava quem pudesse ter olho-gordo por ele, mas cada qual com suas obsessões.
No bar do Lula, eu também tinha uma obsessão. A de querer experimentar uma fatia de fígado de boi assado com cebolas, que ao meio-dia, pontualmente, ele servia ao pessoal do frete de mudanças. Os peões não deixavam passar um minuto sequer do horário de direito.
Se sentavam para comer a fatia de fígado - já preto e ressecado, com crostas duras por toda a superfície engordurada - , servida com fatias de pão francês. Depois, os homens terminavam a refeição quebrando os ovos cozidos - amarelo, pink e vermelho - , brigando com o saleiro sobre o balcão. "Bota uns grãos de arroz crú no saleiro, Lula!", dizia eu, manifestando a minha indignação feminina, mas ele não gostava de mudanças e nem de inovações.
Meus amigos de trabalho me impediam de fazer o mesmo. E até hoje, carrego essa frustração, de nunca ter provado o fígado do bar do Lula. Mesmo que isso tivesse me custado uma internação por infecção intestinal.
Hoje, fiz comida de boteco em casa. O clima não é o mesmo, claro. Me falta o país. Por inteiro.
Mas vale a nostalgia. Aí vai a lista do que fiz: abobrinha grelhada, temperada com alho e azeite; batata gratinada com queijo; bruschetta; berinjela assada com gengibre e shoyu; oniguiri assado; carne de porco temperada com gengibre à milanesa e uma garrafa de vinho Vermentino di Sardegna regando tudo.