quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sua Santidade o Encanador II



Se posso divinizar um profissional no panteão dos deuses salvadores da humanidade, este é - enquanto eu viver neste lado do hemisfério - o encanador. Me refiro ao bravo técnico confiante e arguto, que continua a desbravar selvas urbanas e apartamentos, sempre armado de uma chave inglesa e uma boa conversa. Um intrépido, sem temor da crise financeira internacional e de maridos desconfiados.

Este é um ofício do qual não abriria a mão, caso eu pudesse reencarnar numa profissão invejada e com certeira vocação para a riqueza. Renascer num hipotético especulador de Wall Street ou num expert informático de Silicon Valley? Estes precisam de investimento pesado de terceiros e um emaranhado de influências; e ainda, contar com equipes muitas vezes traiçoeiras. Vai que um auxiliar de contabilidade sopre seus segredos a George Soros ou a Steve Jobs ? E qualquer deslize, as perdas são oceânicas.

Já o investimento do profissional solitário se limita a duas trocas de macacão manchado de graxas, meia dúzia de chaves e o principal segredo profissional: o jogo de simulação técnica aliado a um punhado de dialética.

Lamento que o meu bom cobertor de orelha não tenha escolhido a carreira de encanador quando jovem. Se ele possuísse um MBA em hidráulica, a esta altura eu estaria nos mares do sul, tomando água de coco, lendo bons livros e pensando apenas "com que roupa vou à festa hoje à noite". Tudo graças aos apelos descabelados de donas-de-casas atrás de salva-vidas onde se segurar nas pequenas inundações domésticas. E é nesse momento que o encanador faz jus à divinização, ao estender-lhes a mão entre as nuvens celestiais com coros de gospel ao fundo. E cobrar 420 euros por troca de alguns parafusos no registro de água.

Um encanador italiano inteligente é aquele que deixa o seu Lamborghini ou o carro-reserva da família, um Maseratti GranCabrio, discretamente guardados na garagem para não ser contraprodutivo. Chega com o velho furgão amassado e um convincente macacão desbotado. Afinal, os oficiais-leões da Receita italiana aumentaram a guarda nos últimos anos.

Mas suas potenciais e inertes clientes são as doces criaturas, as mulheres. E se elas trabalham fora e nunca ouviram falar de disjuntor ou válvula de registro, a tarifa pela ignorância lhes custará o triplo. E mais alguns extras, conforme a emergência. Sábados e domingos, tarifa quadruplicada, sem a nota fiscal, o que lhe garante a manutenção da sua casa de praia em Seychelles ou os estudos do primogênito na Oxford. As mulheres clientes compreendem, certamente, o que é uma despesa doméstica para um chefe de família, como a do pobre encanador.

Quem sabe eu ainda consiga persuadir meu sobrinho a largar a área médica e convencê-lo a se tornar um encanador.

10 comentários:

Anônimo disse...

Manda esse honorevole encanador se entubar na "canopra".

Bom mesmo é ter um marido-de-aluguel como eu tenho... O Washington! Tem 1.50cm de altura e é caolho. Quando ele pregou minha prateleira na parede precisou de uma escada maior e ficou torto, ele jura que está reto! É pau pra toda obra. Cheio de boa vontade e bom preço!
Não vivo sem o Washington!

Anna

LuMa disse...

Anna:
Manda o Washington pra cá!

Anninha, anos atrás, fizeram uma pesquisa com crianças italianas de até 8 ou 10 anos de idade, com a clássica "o que quer ser qdo crescer" e a razão da escolha. Não me lembro dos percentuais da lista que saiu nos jornais, mas muitas responderam "encanador". A razão era que ouve sempre que "mamãe reclama que o encanador não faz nada mas fica rico",rs.

Paola disse...

LuMA,
Aqui em casa a gente chama o seu Chaves!
Fico imaginando a versão italiana do "profissional", vcs estão perdidos!
Bj
PAola

Adrina disse...

Vou aprender o ofício e mudar praí. Por 420 euros para trocar alguns parafusos no registro de água eu mudo de profissão.

Anônimo disse...

oi Lu bom domingo ou melhor final de domingo, aqui não está diferente pois o Senai, abriu varias turmas, de encanador, eletricista, pedreiro,a profissão está em falta de mão de obra, nimguem quer ter mais está profissão,os que são bons estão com tanto trabalho que escolhem. acho que todos devemos aprender esta profissão, eu quebro o galho em algumas coisinha, so carro que realmente não dá. beijos (diu)

LuMa disse...

Diu:
Um bom final de semana pra vc também. Eu já percebí tbém que no Brasil, aqueles formados pelo Senai têm empregos garantidos - muito mais que universitários diplomados. Aqui acontece o mesmo. Todos querem ser "doutores", mas os pós-graduados e doutorados ganham infinitamente menos que os encanadores e eletricistas. Acho que eu tbém vou me reciclar,rs. Abraços.

maker disse...

olá, aprendi a ler antes de ir pra escola lendo quadrinhos, comecei a desenhar e fazer minhas historinhas, deixei de servir o exército pq ja estava na faculdade, recusei uma carreira de piloto de caça pq não gostava de vida militar, abandonei a publicidade para ser marceneiro, faço meus projetos, me realizo, mas ser encanador pelo que estou lendo é um must, rs, bjk, achei graça pq vi isso num filme francês, O Magnifico com Belmondo, naquela época, eles já eram disputados. Um bj grande.

Allan Robert P. J. disse...

Quando alguém me pergunta como ganhar dinheiro na Itália e eu respondo: "trabalhe como encanador", ninguém me leva a sério.

Fabrício Andrade disse...

Luma, esse post permite uma enormidade de reflexões. Estudar e ter uma visão filosófica e científica de tudo, mas não ter um emprego que pague tão bem, ou torna-se um excelente positivista nas escolas no SENAI? Resumindo: Ser professor ou encanador? Nem sempre o diploma proporciona bons salários. Parece que tá cada vez pior. Um beijão.

LuMa disse...

Maker:
Fiquei muito feliz por aparecer por aqui:) Maker, conheço bem esse percurso profissional pelo qual vc preferiu:) Eu mesma estou com muita, muita vontade de virar a mesa e me enfurnar onde possa ouvir apenas sons de sapos e passarinhos. Agora eu fiquei curiosa com o filme de Belmondo, vou assisti-lo sem falta.

Allan:
É um prazer conhecê-lo, Allan, e obrigada pela visita. Vc que vive aqui pode me confirmar, meno male,rs. Em 96, qdo reformei o meu apartamento, o encanador sugou todo o meu orçamento, mas por um gesto de bondade sua, nos levou a um restaurante estrelado por Michelin ao final da obra, antes que eu lhe efetuasse o pagamento:)

Fabrício:
Pois é, a partir dessa microssociologia de tubulações pode-se chegar à explicação até de macroeconomia,rs:) Mesmo no Brasil - mais precisamente em São Paulo, onde conheço melhor - essa tendência já está se tornando realidade. Entre um engenheiro civil recém-formado que nunca pegou um tijolo na mão e um mestre-de-obra com conhecimento e prática acumulados, a diferença de salário não poderia ser abissal, como ainda ocorre. Com milhares de recém-formados 'desovados' anualmente pelas universidades "comerciais" com um mercado de trabalho minguante, é natural que cedo ou tarde teremos um mercado revolucionado, ou seja, teremos inversão da pirâmide.