segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Espertos e expertos de vinho


Gosto de queijos. Gosto muitíssimo de queijos. Mas gosto deles apenas porque gosto de comê-los. E não para entediar os amigos com conversas sobre vida, morte e milagre de fungos que não passam de leite apodrecido. Tudo bem, há podres e podres no critério pessoal deste prazer. Mas após degustados, o prazer morre comigo, e por alguma falha no hipocampo da memória, seus nomes complicados em francês também.

Conversando certa vez com um velho comerciante de queijos - naturalmente um grande experto no assunto - , perguntei-lhe qual dos tipos previamente escolhidos por mim fosse o melhor. "O melhor é aquele que mais agrada ao seu paladar, não importa se popular ou raro", respondeu, com sorriso. Justo. Cada juízo é sempre subjetivo, condicionado pela combinação entre os sentidos e o cérebro, o órgão que realmente vê, prova, cheira e toca para formar o juízo pessoal.

Lí tempos atrás em algum lugar que Robert Parker, aquele implacável crítico norte-americano de vinhos mais influente do mundo - o carrasco que estabelece a vida ou a morte das vinícolas internacionais - tivera os olhos vendados por um desafio. O de provar e avaliar no escuro diversas garrafas e safras. O resultado foi penoso. Avaliou como 'melhor' o mesmo vinho que antes, de olhos abertos, classificara como 'pior'. E confundiu ainda um Bordeaux de um vinho ordinário, entre outras gafes.

Isso vale uma desforra para os comuns mortais. Com todo respeito aos sommeliers e degustadores de vinho, faço parte daquela leva de consumidores que nunca alcançou percepções elevadas e tão precisas - mesmo num vinho mais celebrado e celebrizado - naquele suposto retrogosto de nozes, amoras, flores ou madeira, que só as autoridades enológicas dizem ter alcançado. Percepção é tão mutável quanto o humor e o tempo. Ou não?

E há vaidades que vão além. Nos olham com um certo desdém e um brilho quase divertido de pena e humilhação apenas porque a nossa reles sensibilidade gustativa, onde já se viu, não identificou a "sinfonia dos ventos que descem as montanhas de Vosges e lambem as águas do Reno no retrogosto de amoras desse Pinot Noir". Nas resenhas enológicas que circulam por aí não faltam literaturas deste gênero.

Bem mais enfadonho é aquele que numa roda quer desfiar prova de sofisticação disparando jargões enquanto inicia uma lenta e presunçosa ritualização para a simples abertura da garrafa. Cheira a rolha, enrosca a taça entre os dedos e a faz girar fixando o olhar no infinito, como se a nossa presença importunasse seus egos por estar no mesmo ambiente. Naquele momento, é certo que a falsa autoridade nos abandona por outra dimensão. Quem sabe, numa Val de Loire celestial cercado apenas por membros seletos de sua confraria, esquecendo-se que amanhã é segunda-feira e tem um cheque alto que vai cair, enquanto a esposa grita lá da cozinha para que ele desça logo com o saco de lixo.

Respeito os verdadeiros conhecedores de vinho, os que sabem distinguir a exposição das vinhas, do seu sabor e dos frutos. Um técnico, sem a pretensão de um literato. E quanto mais o pseudo-experto se perde em literatura enológico-filosófica, mais me convenço de que o comerciante de queijos tenha razão. O que eu quero é apenas o meu copo cheio do que me agrada, e me basta assim.

Nestas festas, haverá quem abra uma Sidra Cereser e outros poucos, um Perrier-Jouet. Os sabores são fugazes e seus preços são meros condicionamentos de mercado. Festa boa é aquela que nos faz feliz. Até mesmo com uma tubaína.


7 comentários:

KS Nei disse...

Dizem que nao, mas a diferenca entre a coca e a pepsi eh a embalagem.

Vinhos, os californianos, espanhois e chilenos.
Franceses, alemaes e italianos parece que veem com manual de instrucoes.

Facil, compre sempre aquele daquele dia.

Adrina disse...

Seu post iluminou a minha seguda! Ri demais!
Off topic: não sabia do seu problema de saúde, mas fiquei muito feliz em saber que você, como eu, estpa sendo medicada e sentindo os efeitos da melhora. Hoje pela manhã, na minha aula de hidrospinnig, me senti com uma energia que eu desconhecia. Há, sim, luz no fim do túnel. Força aí.

Fabrício Andrade disse...

Luma, não é porque você sempre me prestigia, mas devo lhe dizer, com toda sinceridade, você é um talento. Consegue envolver qualquer um com os seus textos. São sagazes, muito inteligentes. Esse de hoje é maravilhoso. Diverti-me à bessa ao lê-lo. Minha colega de trabalho, dona Maria Helena (uma senhora, que é minha mãezona aqui, já conhece o blog e sempre lê. Ela disse que gostaria muito de te conhecer. Tornou-se sua fã). Adoramos (eu e a Maria Helena).

Anônimo disse...

LuMa,com o sol a pino aqui pois so consegui ver agora são,15:33, mais dei muito risadas,falou tudo não ficou nada, vc é demais menina.
bjs.até (diu)

LuMa disse...

Nei:
Tem gente que segue rigorosamente esses manuais de instruções como fosse matemática e ainda nos olham torto pela nossa liberdade de combinações com o prato! :)

Adrina:
Obrigada, e forças, juntas.

Fabrício e Maria Helena:
Agradeço a simpatia de ambos, mas isso vai acabar me iludindo,rs. Maria Helena, muito obrigada pelas visitas neste cantinho, e tenha tbém boas festas. (Mas sem um sujeito desses que descreví na sua festa,rs :) Abraços!

Diu:
Aqui estamos a -6 graus e imersos em neve de meio metro. Está tudo paralisado e caminhar pela rua é tombo na certa! :( Abraços.

Anônimo disse...

Vou sempre à uma loja que se chama "confraria do Queijo e Vinho ". O vendedor, um falso sommelier, arrogante e tratante que está sempre cheirando uma taça de vinho com a mesma cara de pinguço de pinga, tenta empurrar uma garrafa com a mesma sempre frase: Ótimo custo-beneficio!
Eu nao sei bem se ele se refere ao preço baixo e porre garantido ou sabe-se lá o que.
Da ultima vez que estive lá ele me perguntou se eu precisava de ajuda, respondi um NAO bem sonoro e ele percebeu finalmente que seu palpite me irrita.

Todos podemos ser sommelieres! Seu palpite é tao subjetivo que ninguem quer escutar, nao me importa se voce sente aroma de couro molhado se eu nao sinto!

beijos
Anna

LuMa disse...

Anna:
Ahá...! Sabia que ao ver a foto de uma taça e uma garrafa de vinho vc ia entrar, há! Anninha, único sommelier de verdade que conhecí era um agrônomo, um técnico. O resto, é 99% de esnobismo e 1% de conhecimento. E aqueles maitres em restaurantes que te olha do alto a baixo qdo vc pergunta detalhes sobre o vinho que quer te empurrar? Tem gente que acha que o mais caro é "mais melhor"... Beijinhos