domingo, 29 de março de 2009

Seu Simão

Creedence, a trilha sonora dos meus 11 a 12 anos.

Seu Simão da esquina, o bigodudo, foi sinônimo de tubaína para mim. Pelo menos entre 70 a 73, quando eu morava ao lado do seu bar. Lá, além desta bebida de almoço, comprava lanches Mirabel verde (de chocolate), balas Juquinha, balas de goma Jujuba e paçoquinhas de amendoim. Ah, e o pirulito Zorro, que grudava nos dentes. Todos com grau de açucar proibitivo, para a alegria dos dentistas.

Como fundo musical, havia a radiola vermelha de minhas irmãs. Que deixavam correr Creedence, America, Cat Stevens ou Led Zeppelin. A primogênita era única a seguir o meu pai, preferindo as eruditas. Eu, caçula, preferia o Vila Sésamo e Jackson Five. Minhas irmãs eram bacanérrimas, com calças Lee adquiridas na Galeria Pajé e malhas cacharrel vermelhas, pretas, brancas, azuis...

Certamente o seu Simão já se foi. Mas num cantinho da minha memória, ele ainda está presente. Por conta destes doces .

sexta-feira, 27 de março de 2009

Conservas de Tsukemono


Não vivo sem o tsukemono, conserva à moda japonesa de verduras em salmoura. De nabo, acelga, pepino, alga, cenoura ou cebolinha lakyô, com suas mil combinações e versões de tempero. Sal, missô ou shoyu, curta ou longa conservação, não importa. Odor à parte, é túdibom.

Na falta de espaço na mala, viajei muitas vezes com o excesso de tsukemono na bagagem de mão, seja de retorno do Japão ou do Brasil. O bom de cães aduaneiros é que desconhecem esta iguaria. Na embalagem japonesa eu podia confiar; mas na brasileira, a solução era fingir sono durante o vôo. Ou mostrar inocência como quem "não fui eu"...

Este final de semana vou à feira comprar acelgas. Quero preparar kimuchi coreano. Vinte anos atrás, havia apenas uma loja em toda Milão para comprar acelgas e nabos provenientes da Alemanha. A preço exorbitante! Hoje, sou beneficiada por tabela, graças ao aumento de consumo por chineses que vivem no país. Este final de semana, a minha mesa promete ser toda japonesa.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Trindade, a praia


Digitei "Trindade" na busca por um conceito cristão, e bela surpresa, acabei nas águas "daquela" Trindade, a de Parati. Inútil dizer que entrei num turbilhão de lembranças dos meus tempos de excessos, coisas de 30 anos atrás.

Trindade me lembra 78, o ano em que entrei em Arquitetura, para seis meses depois, mudar de idéia por uma outra área, razão porque a memória é fresca. Por extensão, as praias de Ubatumirim, quando dormíamos nas casas de pescadores da região. E, claro, os surfistas de Itamambuca e do Sapê.

Foi também em Trindade, numa semana chuvosa daquele ano, um dos últimos excessos com o Patcho e Cia, aquele que se banhava em perfume patchouli. Possuía um Fusca antigo, todo enferrujado, mas o único a subir o morro de lamas sem a corrente nas rodas. Não me lembro se ainda o encontrei no festival de inverno em Ouro Preto, naqueles mesmos anos. Devo aumentar a dose de fosfosol.

Mas em seguida, vieram os anos 80, trazendo os primeiros sinais da crise econômica, os sindicatos do ABC, a guerra das Malvinas e a consciência de que o panorama sucessivo não era nada róseo.

Depois de 30 anos, estou pensando em dar uma passada por Trindade, na primeira oportunidade. Estará tudo diferente, claro. E eu também.

terça-feira, 24 de março de 2009

Especulação e choradeira


Vivo no primeiro de um típico edifício milanês de 5 andares, construído nos primeiros anos de 1900. Nada o distingue de outros edifícios em torno, quase todos precedentes ou deste mesmo período. E como ocorre com toda a área urbana de certo peso histórico, novas edificações são raras, senão por razões extremas, como abandono de proprietários, perigo de dano a terceiros e outras causas naturais.

O resultado disso é que a a área urbana milanesa sofre enorme déficit de imóveis para quem necessita viver próximo ao centro financeiro e comercial, criando assim, um próspero mercado de especulações. Na falta de novas construções, especula-se sobre adaptações, ao limite da legalização. Seja para alugar ou para comprar.

Há pouco mais de dois anos, uma construtora adquiriu um imóvel logo abaixo do meu apartamento, no andar térreo. Diante da incredulidade dos moradores, decidiu-se que daquele pequeno espaço "extrairia" quatro novos apartamentos. A equação nos soava como quem colocaria a população paulistana dentro de Campinas. Além disso, o andar térreo em edifícios como este quase nunca é ocupado para uso residencial.

Entre fiscalização, desvios de burocracias e constantes paralizações da obra, passei um ano à beira de histeria, suportando rumores de britadeiras e marteladas no andar inferior. Confesso, a obra atiçava a minha curiosidade, sobre quem compraria um imóvel cujas janelas dariam diretamente à calçada.

Um ano depois do estressante rumor, conhecí finalmente o que a construtora chamava pretensamente de lofts. Cada apartamento é um ambiente único, que mede pouco mais de 3 metros de largura por 4 de comprimento, com um banheiro cego num dos ângulos. Para aproveitar o pé-direito de 3,5 metros de altura, criou-se um micromezanino onde cabe apenas uma cama de casal, e nada mais. No total de 24 metros quadrados, está incluída a metragem do mezanino, é óbvio. O preço? Exatos 280 mil euros, sem possibilidade de um desconto.

Até agora, apenas um comprador veio se estabelecer no imóvel, às vésperas da crise financeira. Um morador com seus 40 anos, com ares de profissional bem sucedido, como era previsível. Nenhum trabalhador médio poderia se permitir a este preço, sem falar do exíguo espaço. Com o agravamento da crise, outras 3 unidades continuam mofando sem um comprador, mas seus preços não baixaram de uma vírgula sequer, desde a inauguração.

E não é que vejo construtoras como estas nos debates de TV, chorando as pitangas por uma ajuda do governo e culpando a crise pela paralização de vendas no setor?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Família-fantama


A Igreja os condena e o Estado não os reconhece.

No entanto, há hoje cerca de 100 mil crianças, filhos de casais homossexuais na Itália, segundo um levantamento divulgado semana passada pela Associação de Pais Homossexuais "Famiglia Arcobaleno".

Com duas mães ou dois pais, filhos destes núcleos - muitos deles já adolescentes - ,são frutos de recursos obtidos através de inúmeros obstáculos burocráticos, como fecundação artificial e adoções no exterior. Segundo os educadores e psicólogos que acompanham estas crianças, não há nenhum indício de que os seus desenvolvimentos sejam diferentes de outras. Ao contrário, são serenas e conscientes do seu status, por receber redobrada orientação de pais com bagagem e experiência em dversidade. Afinal, quem melhor conhece a marginalização social senão eles?

Só lhes resta um governo melhor que este, para que seus núcleos sejam reconhecidos juridicamente.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Quota para crianças


Com finalidade de limitar a presença de crianças estrangeiras nas escolas públicas italianas, a ministra Mariastella Gelmini, do Ministério de Instrução do governo Berlusconi, deu hoje uma entrevista na qual afirma a possibilidade de introduzir um teto de apenas 30% de alunos estrangeiros em cada classe. O projeto poderá ser operativo a partir do próximo ano.

A ministra se esquece, porém, que a grande maioria destas crianças é nascida na Itália, cujos pais, imigrantes ou não, vivem, trabalham e pagam regularmente os impostos como um cidadão italiano qualquer.

Me transportei instintivamente aos anos 60, na minha escolinha primária. Sendo eu, filha de imigrantes japoneses, me imaginei sofrendo uma quarenta social por uma lei fascista como esta, sem acesso à escola e à cultura. Como outros companheiros de classe, claro, filhos de italianos, espanhóis, gregos, chineses e libaneses, até onde eu me lembre.

Dada a média italiana de 20 alunos por classe, na qual apenas 6 serão estrangeiros, o que serão de outras crianças excedentes que não puderem entrar na quota?

A propósito, em que século estamos mesmo?

quarta-feira, 18 de março de 2009

Milão X Tóquio


É inevitável que os japoneses que recebo em Milão acabem por comparar o custo de vida local ao de suas respectivas cidades. O que me surpreende é que mesmo os de Tóquio, se espantem com preços de muitos bens de consumo. E ao conhecer uma miríade de taxas e pesados impostos locais, acabam por questionar os parâmetros aplicados por estudiosos econômicos que de tempo em tempo estabelecem rankings de cidades mais caras do mundo.

Se o salário médio italiano está entre €1.200 a €1.400 líquidos, os valores mais elevados são atribuídos ao milanês, por concentrar em si toda a atividade econômico-financeira do país. Mas comporta também os paradoxos. Com a liberalização de mercados nos últimos 10 anos, os jovens recém-formados (e pós-graduados) sucumbem a novos contratos com salários entre €900 a €1.000, quase sempre em áreas mais disparatadas e sob a constante pressão de ver a renovação negada. Situação inversa ao de operários com salários superiores, garantidos pelos velhos contratos, como também de prestadores de serviços como encanadores, pintores, eletricistas ou pedreiros. Mesmo um engenheiro formado neste mesmo período, com experiência inferior a 5 anos, pode não chegar a €2.000 líquidos.

Isso explica a razão de quase 70% de solteiros do país, entre 25 a 35 anos de idade, viverem com a família por longos anos. O aluguel de um apartamento mais econômico, o monolocale, custa em média €800 nos bairros milaneses. Isso já representa de 60 a 80% do salário destes jovens. Trata-se de imóvel com ambiente único e banheiro, com menos de 30 metros quadrados, correspondente ao que chamam de "one-room mansion" no Japão.

O mercado imobiliário milanês não oferece alternativas como quartos de aluguel ou pensões para os menos abonados. Ao contrário, o que Tóquio carece de espaço, há de opções de preços. A mesma tipologia de imóvel, com espaço físico pouco menor que o milanês, custa em torno de 30 a 35% do salário médio de um jovem profissional da capital.

O hipotético Giovanni, um bancário milanês de 30 anos, com seus €1.200 mensais pode apenas sonhar com a vida independente. Ainda que fosse possível, ele deve ainda incluir nas equações o seguro e taxas obrigatórios do carro, cujo modelo popular não sai por menos de €800 ao ano. Há despesas domésticas como luz, telefone e gás (mínimo €50 cada conta), além do combustível e alimentos. E há a despesa diária do almoço.

Com exceção das grandes empresas, que oferecem bônus-alimentação para o almoço - ainda que a metade do valor seja completado do próprio bolso - ,um trabalhador de média e pequena empresas possui duas opções econômicas: um sanduíche e uma bebida por €6 a €7. Ou um prato comercial de €12 a €15 nos bares mais modestos.

Num rápido cálculo, um prato comercial custa a Giovanni cerca de 1,2% do seu salário, enquanto ao bancário Hideki, o seu correspondente japonês de Tóquio, bastará 0,5% do salário médio de 170 mil yens que lhe cabe, ao pedir um teishoku popular. A esta altura, se Giovanni tiver o aluguel sobre os ombros, comer fora à noite se torna um devaneio. Um modesto jantar numa trattoria comum, consultando cuidadosamente a coluna de preços e não o de pratos, gasta-se em média €30 por pessoa, ou 2,5% do salário. Mesmo num hapy-hour no bar da esquina, arrisca-se a desembolsar €20 em poucos minutos.

Como diz um velho cliente de Tóquio, que há mais de 20 anos acompanha o processo econômico italiano, não há economia mais precisa que a do bolso do cidadão comum, que ele chama de "economia de percepção". O resto, é estatística fria saída de confortáveis muros de gabinetes.