
Se posso divinizar um profissional no panteão dos deuses salvadores da humanidade, este é - enquanto eu viver neste lado do hemisfério - o encanador. Me refiro ao bravo técnico confiante e arguto, que continua a desbravar selvas urbanas e apartamentos, sempre armado de uma chave inglesa e uma boa conversa. Um intrépido, sem temor da crise financeira internacional e de maridos desconfiados.
Este é um ofício do qual não abriria a mão, caso eu pudesse reencarnar numa profissão invejada e com certeira vocação para a riqueza. Renascer num hipotético especulador de Wall Street ou num expert informático de Silicon Valley? Estes precisam de investimento pesado de terceiros e um emaranhado de influências; e ainda, contar com equipes muitas vezes traiçoeiras. Vai que um auxiliar de contabilidade sopre seus segredos a George Soros ou a Steve Jobs ? E qualquer deslize, as perdas são oceânicas.
Já o investimento do profissional solitário se limita a duas trocas de macacão manchado de graxas, meia dúzia de chaves e o principal segredo profissional: o jogo de simulação técnica aliado a um punhado de dialética.
Lamento que o meu bom cobertor de orelha não tenha escolhido a carreira de encanador quando jovem. Se ele possuísse um MBA em hidráulica, a esta altura eu estaria nos mares do sul, tomando água de coco, lendo bons livros e pensando apenas "com que roupa vou à festa hoje à noite". Tudo graças aos apelos descabelados de donas-de-casas atrás de salva-vidas onde se segurar nas pequenas inundações domésticas. E é nesse momento que o encanador faz jus à divinização, ao estender-lhes a mão entre as nuvens celestiais com coros de gospel ao fundo. E cobrar 420 euros por troca de alguns parafusos no registro de água.
Um encanador italiano inteligente é aquele que deixa o seu Lamborghini ou o carro-reserva da família, um Maseratti GranCabrio, discretamente guardados na garagem para não ser contraprodutivo. Chega com o velho furgão amassado e um convincente macacão desbotado. Afinal, os oficiais-leões da Receita italiana aumentaram a guarda nos últimos anos.
Mas suas potenciais e inertes clientes são as doces criaturas, as mulheres. E se elas trabalham fora e nunca ouviram falar de disjuntor ou válvula de registro, a tarifa pela ignorância lhes custará o triplo. E mais alguns extras, conforme a emergência. Sábados e domingos, tarifa quadruplicada, sem a nota fiscal, o que lhe garante a manutenção da sua casa de praia em Seychelles ou os estudos do primogênito na Oxford. As mulheres clientes compreendem, certamente, o que é uma despesa doméstica para um chefe de família, como a do pobre encanador.
Quem sabe eu ainda consiga persuadir meu sobrinho a largar a área médica e convencê-lo a se tornar um encanador.