sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Hopper, o observador do ordinário

Pôr-do-sol em Cape Cod, de 1934

A chuva e o frio tentaram me impedir, mas não havia ocasião melhor que ontem para ir à mostra de Edward Hopper. Numa quinta, evita-se visitas guiadas de estudantes. Com a chuva, menos visitantes casuais. E menos incivilizados que se põem à nossa frente para monopolizar a apreciação dos quadros.


Sol da Manhã, de 1952
Sou incapaz de fazer uma resenha, mesmo descritiva. Nem pensar, se a presunção se referir à arte. Tenho profunda consciência da limitação dos meus recursos. Tenho um pesado livrão de Hopper, da Taschen, com biografia e obras completas que estou sempre a namorar em casa. Mas ele apenas me instrui, pois a liberdade de interpretá-lo diante de uma obra viva é sempre individual. Pessoalmente, mais que a interpretação, me basta a sensação, e quase sempre ela morre comigo. Nada feito. Para uma resenha decente, - e serão milhares por aí - há o Google grátis, à disposição de todos.

Conhecí, em primeira pessoa, o vazio que a depressão provoca à alma humana. Talvez por isso, foi inevitável não me reconhecer nas representações de Hopper. O mal da desolação, melancolia e sensação de estagnação da vida já lhe era contemporâneo na Nova York das primeiras décadas. Ele apenas as retratou com minuciosa observação a iluminação daquele panorama ordinário.

Se sabe, suas paisagens rurais e urbanas são sempre desertas, privas de figura humana. Sua importância é secundária e a não-expressão desta presença a cancela de algum significado na obra. Uma ambientação quase noir, como escreve o próprio curador da mostra. Como a figura feminina sentada sobre a varanda ou aquela sentada sobre o leito, de frente à janela, ambas que observam o nada. E há a casa de veraneio, estação ferroviária ou o posto de gasolina, todos desertos. O que essencialmente inquieta o observador é o vazio.


Célebre Aves da Noite (ou Notívagos), de 1942, ausente à mostra milanesa.
Infelizmente, a mostra de Milão não trouxe as obras mais célebres como a Aves da Noite (ou Notívagos), Gasolina e a Casa na Ferrovia (a que inspirou Hitchcock no Psicose), mas apenas seus numerosos rascunhos. Mas nada que desfalcasse a satisfação. Outras 170 obras me fizeram imergir completamente, por inteira manhã, no estranho mundo da incomunicabilidade.

10 comentários:

KS Nei disse...

Hopper deu cor e nome ao medo de si mesmo.

Isso se chama solidao.

LuMa disse...

Nei:
Qto é difícil traduzir sensações, não é? Seus elementos ordinários e o próprio 'vazio' se transformam em estética... Acho que é pode se chamar de estética do 'desconforto'.

KS Nei disse...

Nao nada a ver. Apesar de que designer de nome impronunciavel e bons vinhos cabem em Milao ou qualquer metropole europeia.

Mas nao se preocupe. O meu designer eh por causa da cafeteira mesmo.

E os meus vinhos sao os bons e baratos Concha Y Toro chilenos.

Besos!

Adrina disse...

E se o texto (lindo!) não é resenha, é o que, então?

LuMa disse...

Adrina, vc é sempre muito generosa. Vou dar um bocado de desconto nisso, rs.

maker disse...

olá luma li seu comentário sobre hooper, queria apenas ilustrar uma poesia (participo com poesias no site autores.com.br) e encontri seu blog, gostaria de colocar seu comentário logo depois da poesia se vc permitir, a poesia é a seguinte:
...é primavera,
a calçada molhada,
(molhada pela manhã)
não entende o frio,
apenas a colcha de retalhos,
sossegada sobre a cama,
como notívagos,
beirando a morbidez,
do meu quarto vazio,
apenas um fio, uma luz,
se atreve a dissertar,
pela cortina semi-aberta,
pequena e reticente,
serena,
teima em entrar.
bjk aguardo sua resposta.
pode ver tb: obeiraldajanela.blogspot.com

LuMa disse...

Maker:
Olá, é um prazer conhecer um(a) poeta neste cantinho, e agradeço a sua visita. Me permiti ler seus poemas, muito, muito bonitos. Pudera ter sua sensibilidade.

Claro, será uma honra que o meu texto - tão elementar e ordinário - possa acompanhar seu belo poema. Sim, Maker, esteja à vontade. Abraços.

maker disse...

acabei de ler o seu comentário, te agradeço muitíssimo , vou colocar lá no autores, talvez amanhã, pq vou sair cedinho pra trabalhar, espero que dê tempo, e pela qualidade dos seus textos observei uma cronista de talento, sensível, atenta, pensei que fosse profissional (jornalista), escrevendo daí. Fica o agradecimento por ter lido as poesias, pela visita, vou colocar o crédito mas lá no autores eles não divulgam endereços eletronicos junto as poesias, uma pena, aliás, que tal vc começar a postar seus textos lá?, é uma boa idéia. bjk.

LuMa disse...

Maker:
Agradeço a sua delicadeza, cuja sensibilidade não poderia provir senão de um(a) poeta. Confesso que antes de deixar um comentário na minha própria página, tentei colocá-lo na sua ontem, mas não consegui. (nem como anônima e nem com a URL) Mas isso é indiferente, pois passarei de tempo em tempo para ler suas belas poesias, se me permite. Abraços.

maker disse...

Olá, pena que não tenha conseguido deixar depoimento no meu blog, nem sei como te orientar para fazê-lo, fico feliz que tenha gostado das poesias, que passes para ler, que se entusiasme como eu. Por algum tempo pintei profissionalmente e recentemente me vi obrigado a recusar uma galeria em nova york, não tenho mais tempo, nem grana para isso, mas continuo pintando para dar vazão a esse prazer. No site do autores, na minha página -http://www.autores.com.br/maker52/
você encontrará uma seção chamada galeria onde poderá apreciar alguns, além da poesia com seu comentário, que entrou somente hoje, chama-se notivagos mesmo. Pena que vc precise entrar para o site, seria legal se o fizesse, andei lendo alguns textos seus, são muito bons, experimente, tenho a sensação de que irá gostar. Um grande abraço, bem gostoso mesmo, caloroso, joão domett.