
Músicos e poetas brasileiros já cantaram odes à nossa miséria, enxergando nela um lirismo e estética onde cabiam apenas a penúria e resignação de um povo. Subir o morro com a lata d'água na cabeça encerrava em sí o supra-sumo da beleza que só os pobres sabiam evocar. A licença poética permite tudo, claro, quando o tributo é escrito de dentro de um confortável duplex com vista para o mar. Ou numa mesa de boteco com um uísque de 12 anos e uma gorda conta bancária, -quem sabe, garantida até pelo Estado. A pobreza era poética para eles.
Eu também caí nessa um dia. Como qualquer estudante, que se embriaga com teorias de botecos. Mas logo, ví o gingado descer o morro. Pelo direito à igualdade que eu continuo a pregá-lo ainda. Mas ele pretendeu morar ao lado. Esqueceu-se das convicções e descambou para o parasitismo horizontal, no vizinho mais próximo, já que o Estado continua a ignorá-lo. Este, prefere calar a boca distribuindo dinheiro a criar cidadãos.
O que o brasileiro melhor soube aperfeiçoar nestas décadas foi o de buscar uma "boquinha" em qualquer meio. Sem a honra do suor e do trabalho. Se não se candidata para um cargo a vereador numa periferia e se tornar proprietário de castelo, é através de processos judiciais a golpe de gravidez omitida e falsas testemunhas contra a "patroa vilã". Por que se sabe, quem tem mais, tem que ceder. Mesmo que a 'patroa' seja honesta.
A cultura da "boquinha" não apenas aperfeiçoou o mecanismo como o Estado o legitimou às custas do patrimônio de privados, como é o caso de usucapião. É a reversão na escala de valores. O Estado não garante nem menos o que é nosso. O direito do pobre, mesmo com quartas intenções, prevalece sobre o que um cidadão médio com impostos em dia levou anos para construir. Os pobres e os ricos encerram em sí o próprio perdão. Nós no meio, pagamos a conta.
Tanta amargura logo de manhã se deve à esta notícia, que lí há pouco. Os malandros já batem à porta dos intelectuais cobrando o que estes sempre quiseram dividir. Sim, o poeta é um fingidor.
Que dividam seus próprios suores.