terça-feira, 10 de novembro de 2009

Médioman



Vivo num prédio de cinco andares, em cuja ala divido o espaço, entre outros, com duas moradoras cantoras de ópera. A do quarto andar é cantora profissional do teatro Scala de Milão, sempre em turnê pelo mundo - e agradeço as forças divinas por isso. A outra, minha vizinha direta de paredes, que ama a música lírica por prazer, já que se trata de uma engenheira que vive só, com seus quase 50 anos de idade. Esta, além do canto, há como hobby o teclado - eletrônico suponho, e não piano - além do que parece praticar melhor, a flauta. Confesso, em certos horários prefiro esta última.

Deixo claro que aprecio a música lírica. Aliás, eclética como sou, gosto um pouco de tudo, desde que o canto não estoure meus tímpanos às 7 da manhã ou depois da meia-noite, como esta vizinha direta costuma fazer. Para tudo há um horário e volumes justos, convenhamos; ainda que eu viva num país onde poucos se importam com a poluição sonora. Aquí se fala, discute, buzina, rí e se diverte em altos decibéis.

Sou da legião dos silenciosos. Tenho o meu velho fone de ouvido para a TV por princípio, que serve também para ouvir uma música. Com o fone ouço nitidamente até o murmurar do vizinho do personagem quase mudo de um Bergman (!) e ainda, não incomodo ninguém. Mas isso é apenas uma escolha minha, num mundo onde cada um grita pelos seus direitos de ir e vir, ouvir e falar.

Não me passa pela cabeça reclamar desta vizinha. Eu apenas procuro tossir mais forte para que ela perceba a minha presença deste lado da parede. Esperando, quem sabe, que desperte o seu bom senso para que diminua o volume. Se sabe, vivemos numa sociedade em que tudo é classificado em bom gosto e mau gosto. Não sei quem os determina, mas assim os são, de fato. Se eu pusesse um Reginaldo Rossi a alto volume, seria uma afronta aos vizinhos e eu seria apedrejada. Se se trata de música 'culta' no mesmo volume, tudo se encerra e se absolve em nome do 'bom gosto'. Por que se sabe, o bom gosto é elitista, e está acima de tudo.

Falei disso tudo porque faço um paralelo com a estudante da Uniban. Um parâmetro forçado, quem sabe, já que se trata de diferença visiva e outra, sonora. Aquele vestido rosa-choque é horrível de fato. Mas me intriga saber se ocorreria o vandalismo se o mesmo vestido fosse assinado por Dolce Gabbana com a etiqueta à mostra. Ou, se ela fosse uma famosa personagem televisiva que o tenha adquirido na Daslu. Quem determina o bom e o mau gosto? O mau gosto é suficiente para merecer pedradas? Ou somos forçados a ser classistas para não sermos marginalizados? Hipocrisia, claro...


6 comentários:

Kenia Mello disse...

Você sabe que eu tenho um Vizinho de Cima de estimação, né? Depois de vários reveses, hoje em dia somos bons amigos, mas já sofri, viu? Ô arte difícil que é essa tal convivência...
Beijos.

Adrina disse...

Agora há pouco falávamos da moça da Uniban aqui no escritório. Se ela fosse uma celebridade ou uma mulher-fruta, não teria qualquer problema, eu acho. Eu tenho trauma de vizinho barulhento, talvez porque eu faça a maior questão de não incomodar ninguém...

Anônimo disse...

No meu caminho para o metro nesta manha, vim admirando a floracao das flamboeyants, das jacarandas e das pau-brasil. Toda a regiao esta florida e o chao colorido com as flores caidas.
Entrei no metro com a alma leve ate que o condutor fez seu primeiro anuncio, "proxima estacao Clinicas" num volume de enlouquecer, milhoes de decibeis.
Ele era do tipo anunciador entao nao parou mais de anunciar, tudo em volume de megafone de MST.
Meu dia inspirado se foi por causa de um trabalhador que achou que fazia seu trabalho com primor.

beijinhos
Anna

LuMa disse...

Kenia e Adrina:
Qdo chega o verão, a intolerância aflora e despontam crimes de origem condominial aquí e alí. Me lembro de um caso de idoso (muito idoso mesmo) que matou a machadada um adolescente que ficou dia e noite ouvindo Guns N'Roses no último volume de janela aberta. Qdo descobriram o crime, ninguém ficou horrorizado com o idoso, se é que me entendem :)

Anninha:
Tenho que fazer o Gianluca ouvir esse condutor. Ele sempre teve o azar de pegar o metrô que o condutor diz " Próxima estação bzbzbz...bz". Falam sempre alto a primeira parte e a segunda, a mais importante, bem baixinho. Ele me pergunta sempre como fazem os deficientes físicos(cegos e surdos)pra advinhar a estação. Isso qdo eles conseguem entrar no trem, pra começar.

AMARela Cavalcanti disse...

Querida, sei bem como é isso. Meus vizinhos do lado, da frente e de trás adoram ouvir música em volumes muito altos e o pior é que eles ouvem brega, acredita???
É uma verdadeira provação!!!

Beijos!!!

Paola disse...

Acho que a história da estudante da Uniban vai além de quaquer possibilidade de entendimento.
Ela já aceitou o convite para a Fazenda da Record.
A Sabrina Sato foi para a porta da Uniban, vestida com o mesmo modelo que Geysa e rebebeu ,ilhares de cantadas.
"esse é um país que vai pra frente!"