sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hipocrisia Institucional


Não assisto a tevê se não aquela que eu pago. Todo o resto, os canais abertos, requer um estômago de ferro para assisti-los. São uma eficiente máquina de propaganda ideológica do governo Berlusconi, dono de tudo aquí, cujos apresentadores de programas medíocres são armados de invejável habilidade para institucionalizar a hipocrisia. E desta, articulam para a Verdade oficial incontestável.

Ontem, cometí o erro de fazer um zappping nestes canais berlusconianos. E está aí o poder de persuasão. Caí na besteira de parar num programa de Inquisição midiática camuflado em 'debate político'. Inquisidor porque o 'réu' era um político de oposição deste governo, Piero Marrazzo, flagrado duas semanas atrás em traje sumário com uma travestí brasileira. O caso de Marrazzo, até o momento da investigação, é mais uma vítima de um escândalo armado pela mídia, policiais corruptos, políticos e empresários ligados ao governo, incluindo aí barganha do vídeo de flagrante entre sí.

Mas a hipocrisia do programa, visto por milhões de italianos, o transformou num "réu" com a despudorada intenção de rebaixá-lo moralmente apenas pela sua orientação sexual, a de preferir uma travestí como companhia. Uma condenação de Marrazzo foi conveniente para absolver retroativamente Berlusconi, pelas suas 'festinhas sexuais' que recentemente ocuparam as páginas internacionais.
O debate escamoteava a defesa do primeiro-ministro com uma pauta do tipo "o pivô era ao menos uma mulher, e não uma indecente travestí, ainda mais clandestina". O réu, ausente no programa, foi jogado em meio à grande fogueira e acusado por um "crime muito mais grave" e portanto, a oposição não teria direito de inferir sobre a nota debilidade de Berlusconi por lolitas.

Para botar mais lenha na fogueira, a deputada Alessandra Mussolini, neta do ditador e líder de um partido de extrema direita italiana disparou: "Se meu marido me traísse com prostituta ou com outra mulher, posso até perdoá-lo, mas com uma travestí, jamais!" E sobrepondo sua voz a altos decibéis para abafar a única representante transsexual no programa, ainda ironizou com desprezo: "Tenho orgulho de ser mulher, porque só nós podemos ser progenitoras da humanidade, e vocês nunca poderão sê-las!".

Suponho que ela e todos os aduladores de Berlusconi ainda terão filhos e netos nesta vida. Ou seus descendentes estarão fadados à orientação apenas heterossexual? Se a televisão já é por sí um gerador de trash, que outro adjetivo poderia atribuir à televisão italiana? Até o momento não encontrei. Tenho apenas medo dela. Muito medo pela integridade dos bons italianos. Meno male, eles ainda resistem.

6 comentários:

Anônimo disse...

por onde começar a comentar? é um horror atrás do outro! só digo o seguinte: apenas mulheres podem ser progenitoras de hitlers, sarneys e mussolinis também, não é nada para se gabar.

LuMa disse...

Bata:
Por mais que a internet e os jornais internacionais publiquem as aberrações que ocorrem neste país sob este governo, jamais conseguimos contá-las o que de fato as tevês de Berlusconi - TV pública sob seu controle e outros 3 canais de sua propriedade - faz com o cérebro da população. Chamá-la de lavagem cerebral é até eufemismo. Imigrantes, gays, judeus e tudo o que é diferente é sinônimo de perigo e imoralidade, sabe como... Tudo isso apenas para sustentar o poder de um único homem. O perigo é iminente, muito mais do que a gente possa supor.

Adrina disse...

O comentário da Luciana me fez esquecer o que eu ia dizer, mas não era nada à altura.

KS Nei disse...

Quando fui lavar a roupa da mochila molhada da tempestade em Firenze, tinha uma tv ligada - berrando - na coin laundry.

Era um auditorio, uma loura vestida para matar, minha ressaca e eu perdendo tempo ali enquanto la fora... Firenze.

Pensei em Davi, nu, pintinho seco e sem tv nos tempos de Golias.

Anna Karine disse...

Luma, tambem nao gosto da "tv aberta" mas nos ultimos dias andei assistindo os programas de debate para ver como o povo italiano estava reagindo a esse escandalo. Quem ficou escandalizada foi eu! Cada declaraçao de arrepiar (MAS NADA COMPARADO A DA MUSSOLINI).

LuMa disse...

Adrina, Nei e Karine:
Com exceção das 'independentes', a televisão italiana em geral é apenas gritaria. Pseudo-intelectuais, políticos, empresários ou qualquer outra figura que comparece nas telas tenta, cada qual, impor suas idéias a alta voz, sem permitir que o interlocutor conclua a frase. É apenas sobreposições de gritarias. O que me embrulha o estômago é o aplausômetro utilizado segundo a conveniência da emissora. Se a frase for pró-Berlusconi, lançam se fortes aplausos, por mais que o indivíduo tenha dito a mais baixa mediocridade. O poder de influência do aplausômetro é que levou este homem ao quarto mandato.

No início dos anos 90, um jornalista da CNN criticou a TV italiana considerando-a 'pior do mundo'. Por incrível que pareça, isso enfureceu toda a população, da esquerda à direita. Ou seja, todos já estavam contaminados pelo mau vício. Imaginem-se hoje...