
Os amantes de sashimis nobres, como atum, lula, polvo e custosos moluscos de águas frias do Pacífico podem torcer o nariz o quanto quiserem, mas insisto que o mais plebeu e popular dos peixes marinhos, a sardinha, mereça sua devida atenção.
Como filha de imigrantes, arrisco a dizer que o sashimi de sardinha - a opção mais barata dos peixes - tenha representado o princípio da evolução sócio-econômica e cultural do nikkei (substantivo "de origem japonesa") no Brasil, até conquistar finalmente o atum - que por antonomásia, representa o sashimi nobre e autêntico. A humilde sardina pilchardus alegrou as mesas dos imigrantes japoneses nos seus duros tempos, em zonas rurais e nas profundas fazendas do interior. Até então, como peixe do mar havia apenas o popular bacalhau norueguês, - hoje promovido ao mais elevado trono dos peixes nórdicos.
Assim como aos ítalo-brasileiros não podia faltar um polpettone aos domingos, as festas nipo-brasileiras não dispensavam sashimis de sardinha. Depois de eliminar as espinhas, ralava-se o gengibre por cima dos filés e regava-os com shoyu, para o deleite dos mais idosos. Certamente o sabor do mar aplacava as dores da vida de imigrante e o seu odor os reportava ao saudoso arquipélago japonês.
Até a minha adolescência, nos anos 70, sahimi era sinônimo de sardinha crua. Naqueles tempos, já havia outras opções de peixes no mercado, como robalo, tainha e linguado, mas meu pai insistia com as sardinhas. Quando não as encontrava, trazia um outro peixe azul, as cavalinhas. A estas, ele unia as cebolinhas, além do gengibre.
Um sabor de forte impacto como este era indispensável um bom arroz branco. De grãos brilhantes, que comprovassem o frescor de sua recente safra. Na minha casa comia-se o arroz catete, produzido no Rio Grande do Sul por descendentes de italianos, cultivado na água e ideal também para o risoto italiano. Era uma garfada na sardinha e outra no arroz, para chegar ao delírio.
O tempo passou e muitos sabores também passaram. Dos sem-número de molhos da nouvelle-cuisine até bizarras combinações de sorvete de bacon e chocolate temperado com cebola, da cozinha molecular. Sou sempre disponível para novas experiências ao palato. Mas seus sabores sempre morreram alí, ao pousar os talheres sobre o prato. Talvez porque os pratos não possuíam memórias.
Eu acredito no imprinting dos sabores, aqueles que gravam na infância e se tornam indeléveis por toda vida. Um sabor que contenha uma lembrança, um elemento que o coligue a uma memória. Talvez se deva a este mistério a impossibilidade de exprimir o prazer gustativo em toda a expansão que a língua permita.
Mesmo aquí, continuo preparando o meu sashimi de sardinha ou cavalinha, de tempo em tempo. É o meu modo de aplacar a melancolia dos tempos adultos.