Goya, da série "As Dores do Mundo"
Não há como permanecer impassível diante da ferida aberta e lancinante das guerras retratada por Goya há 200 anos sem nos trazer de volta à estupidez humana da realidade imediata. Apenas em 2008, foram computados na triste estatística da ONU nove guerras e 130 conflitos no mundo. As lúgubres e cinzentas pinceladas de Goya não nos bastaram. Suas pinturas, porém, continuam a denunciar nossas brutalidades.
É com esta sensação - entre resignação e cumplicidade - que saí da mostra milanesa Goya e o Mundo Moderno, cujo fio condutor traz uma profunda análise da violência humana deixada por Goya como um atormentado legado aos pintores modernos. Sua obra é uma referência não apenas temática, mas também estilística, a delinear a arte dos séculos 19 e 20. É dela que se nutriram os impressionistas, expressionistas, simbolistas e surrealistas.
A mostra percorre cinco sessões da trajetória do artista ao lado de outros célebres. Como pintor iniciado nos ambientes da corte, se confronta com J.L. David, Delacroix e Soutine, para seguir a temática cotidiana ao lado de obras de Victor Hugo, Kirchner, Daumier e Grosz. Sucessivamente segue o tema Cômico e Grotesco, no qual Goya retrata os absurdos e ironias da vida moderna, que mais tarde, iluminarão as obras de Picasso, Miró e Klee.
Obra "Não somos os últimos", do pintor esloveno Zoran Music.
Mas é na penúltima e mais importante sessão, a da Violência, que encontramos o atormentado Goya, já na fase em que não apenas a invasão napoleônica como a doença da surdez progressiva o afligem. Aqui, dezenas de suas gravuras negras que retratam a série As Dores de Guerra, acompanham obras de Dalí, Music, Guttuso e Picasso. Deste último, não podia faltar a obra "A Mulher que Chora" e "Mulher com o Filho Morto".
A mostra fecha com a sessão batizada de O Grito, e não haveria tradução melhor para completar suas expressões. A partir da obra "Nada. Isso diz", os sujeitos já são deformados pelo terror e a dramaticidade é seguida por obras de Bacon, Pollock, Appel, Kiefer, Giacometti e Saura, - este, um contemporâneo de Ensor e Munch.
A mostra no Palazzo Reale de Milão prossegue até dia 27 de junho. Vê-lo isoladamente nos museus de Madrí, Zaragoza ou esparsos pelo mundo é sempre uma experiência valiosa. Mas vê-lo lado-a-lado com os pintores heredes de seus gritos o eco se faz mais forte.