Há pouco mais de um ano um casal de romenos veio morar logo abaixo do meu apartamento, no andar térreo. Pela sua discrição e silêncio, fiquei por uns três meses sem sabê-lo da existência destes novos moradores. Para conter as despesas condominiais, a administração do prédio decidira alugar para o casal o imóvel destinado para a habitação do porteiro, do qual este havia renunciado.
O fato havia suscitado curiosidade em mim. Ainda que a grande maioria da sociedade italiana não sucumba ao bombardamento diário de propaganda e incitação a delatar suspeita de clandestinos ao seu redor, é inegável que a desconfiança com o desconhecido se respire no ar. Sobretudo quando este decide morar ao lado.
No meu próprio prédio já ocorreu fatos de denúncias contra o 'suspeito'. A polêmica lei que multa e instiga a delação contra proprietários que alugam seus imóveis a clandestinos ou a estrangeiros suspeitos, havia acabado de entrar em vigor naqueles dias.
Entusiasmada com a nova ordem do governo, uma senhora idosa, declaradamente eleitora da liga Nord e autoproclamada 'guardiã' do nosso prédio, entrou prontamente em ação. Certa de que um chinês fosse absolutamente sinônimo de clandestino, convenceu a polícia a efetuar uma 'batida' - sabe-se lá com que persuasão, já que a Polícia não se desloca tão facilmente - no apartamento recém-alugado por duas jovens chinesas, na outra ala do prédio. Para a sua surpresa, deu-se com um furo na água. Tratava-se de duas universitárias com vistos regulares de estudantes, frequentadoras de uma universidade local.
Após a nova ordem emitida pelo governo Berlusconi - sempre através da Liga Nord, o seu braço direito - um outro fato envolveu um distinto e discreto profissional de meia idade e cidadão italiano, antigo morador do prédio. A denúncia partiu de uma 'premissa' formulada por outra moradora aposentada. A suposta namorada deste cidadão era uma travestí brasileira; logo, ele só poderia ser seu protetor.
Desconheço a consequência que isso tenha gerado entre os envolvidos, mas certamente a idade das delatoras as poupou de uma possível causa terminada em tribunal. O resto dos habitantes apenas sorrí, com um misto de desdém e condescendência pelas suas idades, ainda que reconheçam os danos que elas já provocaram a inocentes.
Nos meses sucessivos aos falsos 'alarmes', não ví mais a brasileira em companhia do namorado italiano. Talvez gerado pelo mal-estar, outras duas universitárias chinesas também deixaram o imóvel logo em seguida, pois nunca mais as ví.
Surpresa com a tolerância das delatoras com o casal de romenos - um dos mais visados na caça às bruxas junto aos albaneses, por responder por maior número de criminalidade no país - , só descobrí a razão quando troquei algumas palavras com a esposa do casal. Seu marido trabalha na pequena empresa de construção e manutenção que presta serviços ao nosso prédio. A locação do imóvel só foi possível porque o seu patrão assinou vários documentos de garantia pelo romeno, de cuja mão de obra lhe é indispensável na empresa.
A cada novo caso de crimes envolvendo um romeno nas páginas de jornais noto maior discrição do casal abaixo do meu apartamento. Vive como fantasma num silêncio absoluto, como se temesse os vivos. Os vivos de camisas negras.
O fato havia suscitado curiosidade em mim. Ainda que a grande maioria da sociedade italiana não sucumba ao bombardamento diário de propaganda e incitação a delatar suspeita de clandestinos ao seu redor, é inegável que a desconfiança com o desconhecido se respire no ar. Sobretudo quando este decide morar ao lado.
No meu próprio prédio já ocorreu fatos de denúncias contra o 'suspeito'. A polêmica lei que multa e instiga a delação contra proprietários que alugam seus imóveis a clandestinos ou a estrangeiros suspeitos, havia acabado de entrar em vigor naqueles dias.
Entusiasmada com a nova ordem do governo, uma senhora idosa, declaradamente eleitora da liga Nord e autoproclamada 'guardiã' do nosso prédio, entrou prontamente em ação. Certa de que um chinês fosse absolutamente sinônimo de clandestino, convenceu a polícia a efetuar uma 'batida' - sabe-se lá com que persuasão, já que a Polícia não se desloca tão facilmente - no apartamento recém-alugado por duas jovens chinesas, na outra ala do prédio. Para a sua surpresa, deu-se com um furo na água. Tratava-se de duas universitárias com vistos regulares de estudantes, frequentadoras de uma universidade local.
Após a nova ordem emitida pelo governo Berlusconi - sempre através da Liga Nord, o seu braço direito - um outro fato envolveu um distinto e discreto profissional de meia idade e cidadão italiano, antigo morador do prédio. A denúncia partiu de uma 'premissa' formulada por outra moradora aposentada. A suposta namorada deste cidadão era uma travestí brasileira; logo, ele só poderia ser seu protetor.
Desconheço a consequência que isso tenha gerado entre os envolvidos, mas certamente a idade das delatoras as poupou de uma possível causa terminada em tribunal. O resto dos habitantes apenas sorrí, com um misto de desdém e condescendência pelas suas idades, ainda que reconheçam os danos que elas já provocaram a inocentes.
Nos meses sucessivos aos falsos 'alarmes', não ví mais a brasileira em companhia do namorado italiano. Talvez gerado pelo mal-estar, outras duas universitárias chinesas também deixaram o imóvel logo em seguida, pois nunca mais as ví.
Surpresa com a tolerância das delatoras com o casal de romenos - um dos mais visados na caça às bruxas junto aos albaneses, por responder por maior número de criminalidade no país - , só descobrí a razão quando troquei algumas palavras com a esposa do casal. Seu marido trabalha na pequena empresa de construção e manutenção que presta serviços ao nosso prédio. A locação do imóvel só foi possível porque o seu patrão assinou vários documentos de garantia pelo romeno, de cuja mão de obra lhe é indispensável na empresa.
A cada novo caso de crimes envolvendo um romeno nas páginas de jornais noto maior discrição do casal abaixo do meu apartamento. Vive como fantasma num silêncio absoluto, como se temesse os vivos. Os vivos de camisas negras.
6 comentários:
LuMa,não sei se foi Rui Barbosa, que disse a Europa é uma velha prostituta, meu avô que era filho de um Judeo fugitivo da Russia, na época dos czar, depois da Espanha, convertendo a Cristão Novo, para sobreviver, no Brasil,a Europa sempre tratou os diferentes assim, apesar de terem sido eles o grande causador dos problemas, que temos até hoje no mundo principalmente a Africa, pior eles foram os que mais imigraram, aqui no Brasil o Presidente, deu anistia a todos os indocumentados, nem nos Estados Unidos o imigrante é tratado assim, o tempo que fiquei por lá imigrandes que tinham mêdo da imigração mais trabalhava e pagava seus imposto possuia carro, uns até que aprontava, e conseguia ficar, deve ser difícil morar em um lugar assim. bjs, ate. (diu)
Este anonimo é Saramago? Escreve tudo em uma sentença? sem pontos?
A historia nunca é velha, sempre se repete. A nacão quando enfrenta problemas sempre acaba por culpar os imigrantes. A nação precisa deles para lavorar e construir nas epocas de vacas gordas. Precisa deles para colonizar e explorar, para fazer trabalho sujo e indigno.
Culpar os imigrantes nas Americas? Somos TODOS imigrantes.
Filhos ou netos ou bisnetos ou nós mesmos imigrantes.
Bjs
Anna
Diu:
A sociedade italiana em geral, com exceção dos seguidores da Liga Nord, considera a delação um ato de violência imperdoável, e ainda que o governo incite a fazê-lo, apenas uma minoria se deixa convencer dessa xenofobia. O problema é que essa minoria é rumorosa e unida; e dispõe de meios para propagar suas idéias. Além de possuir jornais e rádios de partido, dispõe tbém de 3 canais de TV do próprio Berlusconi!
Anna:
O voto não é obrigatório, mas nunca faltei a nenhuma eleição daqui. Qdo vc chega às sedes, compreende quem de fato são os eleitores deste país. Ao menos 80% dos eleitores são aposentados e idosos bem avançados. A pequena fatia que resta é da turma dos 50 e 40 anos. Jovem com menos de 30 anos é raro, raríssimo. Por isso digo sempre que quem mandou Berlusconi lá foram velhinhas como estas do meu prédio,rs.
Quando caiu o muro de Berlim, o que aconteceu nao foi so a vitoria democratica e a derrocada comuna.
A direita se achou no direito e usurpou.
Agora, nao se trata de criar outro muro (que a direita esta criando), mas de criar um pensamento que exploda com essa nova ordem mundial.
Ate mesmo esses ecobestas, que cairam na falacia do "oh, nos somos os bonzinhos do mundo", atraves do Al Gore.
Nei:
Como a cultura latino-americana que nos pariu, aquí tbém tem memória curta e apenas essa minoria barulhenta que incita a emotividade do povo é que sabe ser organizada. Aliás, a direita sempre foi a mais organizada e compacta, em qualquer parte do mundo. O resto é apenas figurante na história.
Sobre o post la no Corsarios:
Nao acho. Acho que a alta costura esta para as roupas assim como a F1 esta para o carro comum.
As tecnologias precisam disso, desse mercado restrito.
Muitos tecidos e fibras so existem por causa das passarelas.
Pode ser futil, mas eh necessario.
Eu tambem acho engenheiro mecanico um bando de chato.
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