quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Saco do touro
Programão na virada do ano: pisar o saco do touro com o calcanhar, fazer um pedido para o ano que entra e dar um giro de 360 graus. Pronto. 2009 nos promete mundos e fundos.
A cada ano a fila se prolonga na Galleria Vittorio Emanuele.
Aos amigos, uma pisada certeira para o ano que entra!
jornal Pícaro
Brincávamos de fazer jornal. A foto é de 1985, feita por um dos robertcapas que visitavam a redação itinerante.
Havia os ezrapounds, henrythoreaus e trumancapotes. Devaneios, claro. Ah, e também os bukowskis, ainda que nunca se lembrassem da esbórnia, no dia seguinte.
É apenas um registro em digital, antes que o tempo corroa a celulose.
sábado, 27 de dezembro de 2008
Berlim Oriental II
Após me defumar o dia inteiro com os escapamentos de Trabants e me entupir de cerveja no Alexanderplatz para consumir os 60 marcos, retornei à rica Berlim Ocidental já ao escurecer. Sem nenhum souvenir ou lembranças das 24 horas da sua metade oriental. Souvenirs são coisas de capitalistas, diriam alguns. Trazia comigo apenas fotos.
Meu único problema era o frio. Era final de março. Os albergues estavam lotados de estudantes japoneses e americanos. E à mim, sobrou apenas uma vaga num moquifo de meia estrela, com a calefação acesa ao mínimo. Na minha mochila, possuía apenas 2 pares de meias de lã, que eu as lavava e secava continuamente sobre o termossifão para prosseguir a viagem.
À noite, perambulando pelas ruas da cidade, me deparei com uma surpresa, um suspiro de familiaridade. Numa iluminada galeria de fotos, identifiquei o nome de alguém que o conhecia. O de Yuji Kusuno, fotógrafo japonês, que viveu entre Tokyo e São Paulo durante os anos 70 e 80. O caçula dos irmãos Takao e Tomoshige Kusuno. Takao, o falecido coreógrafo introdutor de Butô no Brasil e um dos promotores de Kazuo Ono, no Brasil. Tomoshige, o pintor com obras nas mais importantes galerias do Brasil e no mundo.
Na verdade, conhecia Yuji Kusuno apenas por cima. Um “oi” aquí e alí em São Paulo. E se não me engano, eu o encontrara rapidamente em Tokyo no ano anterior, em 87, num escritório onde se reuniam japoneses simpatizantes do Brasil. Para dizer a verdade, eu mal conhecia suas obras.
Me bastou ver um nome familiar num território neutro de Berlim Ocidental para que eu me sentisse em casa naquela ilha feliz, cercada por muros socialistas por todos os lados. Não é fácil mochilar sozinha, sabe como. Não temos com quem dividir emoções. Nem com quem advinhar aqueles nomes extensos em alemão, cheios de consoantes, para evitar aquela sensação alienígena.
Dias depois, peguei o caminho de volta, atravessando novamente o território da Alemanha Oriental, rumo à Amsterdã. Olhando as paisagens melancólicas dos campos coletivos através da janela do trem, tive a sensação de que havia deixado um único companheiro de viagem naquela cidade. Mesmo sem nunca tê-lo conhecido realmente.
Dalí a poucas horas, os campos de tulipas e os moinhos de vento já haviam virado a página e o nome de Yuji Kusuno ficou para trás.
O que ele estará fazendo hoje em Tóquio? Nem vou clicar o Google, para que não estrague essa nostalgia de fim de ano.
Berlim Oriental I
No embalo da Grande Limpeza de final de ano, decidí uma arrumação também no meu arquivo morto. Organizei fotos antigas, digitalizei algumas, relí trechos de velhas cartas e separei documentos pra lá de vencidos. E, surpresa, encontrei um documento que me fez submeter a um exame do meu estado de ostracismo, numa espécie de check-up físico e moral dos anos que a depressão me subtraiu. Coisa de fim de ano.
Um flash-back materializado neste visto datado março de 1988, emitido pela DDR, República Democrática Alemã, com o qual atravessei o muro de Berlim, ainda Oriental. Os ventos da perestroika já sopravam pelos quatro cantos da União Soviética naquele ano, mas nem o mais otimista Gorbachev supunha que dalí a pouco mais de um ano, os punhos de ferro de Erich Honecker sucumbiriam ao poder de oposição da Volkskammer.
Inerte a tudo, eu estava então mochilando alegremente por alguns países europeus naquele ano. Com apenas 500 dólares no bolso e muitos bigmacs no estômago. Me encontrava na encruzilhada de Hannover, entre a pretensa decisão de ir à Suécia ou conhecer Berlim, com sobras daquele dinheirinho. Decidí pela última, e não me arrependo até hoje.
Fiz o pedido do visto para atravessar o muro de Berlim, diretamente no guichê blindado de Charlie Point, que dividia a cidade em socialista e capitalista. Passei por 3 guichês sob olhares gélidos e inquisidores dos militares da DDR, enfileirados ao longo do corredor, com respectivos Kalashnikov. Ainda com o mesmo uniforme da 2ª Guerra. O máximo previsto para o visto era de apenas 24 horas, com a obrigação de adquirir 60 marcos no valor local. Não me lembro do câmbio de então. Apenas de que 60 marcos era muito dinheiro para a contenção de um bolso terceiromundista como o meu.
Estranhamente, apenas o documento de visto está aquí comigo, para me trazer à memória, fragmentos do tempo em que eu dispunha de muita energia para mochilar por aí. Todas as fotos daquelas viagens estão guardadas no meu arquivo do Brasil. Os desengonçados e fumacentos Trabants, o prédio de Reichtag, a mudança de guarda no túmulo do soldado desconhecido e o carrinho de cachorro-quente estatal. Nas caminhadas, encontrei até mesmo uma agência de turismo. Detino: Havana, Pyongyang, Moscou e outras capitais da cortina de ferro.
Há muito o que lembrar daquela viagem, e não caberiam aqui os detalhes que a poucos interessam, se não, de que o mito dos ideais socialistas já era frágil como são os ideais dos neoliberais de hoje. Tudo passa, enquanto nós mortais continuamos a perseguir o dinheirinho que chegue ao final do mês.
Estou muito sedentária hoje. Creio que eu deva guardar este pedaço de papel, que acabei de digitalizá-lo. De tempos em tempos, me fará lembrar quando eu ainda transpirava energia e curiosidade por todos os poros.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
Luxúria
Em meio a correspondências de Natal, recebí uma foto da família T, de quem eu havia perdido contato há 14 anos. T parece bem mais velho, apesar de seus 40 e poucos anos. Assim como os pais, quase irreconhecíveis, pelo peso dos anos e dos próprios pecados .
T é um caso emblemático dos anos 80, a “década perdida”. Vítima e autor do próprio destino.
Eu o conhecí no final dos anos 80. Veio me buscar na estação de Nagoya no primeiro encontro. Chegou numa Mercedes de último modelo, inteiramente vestido de grifes. Relógio Bulgari, tira-colo Hunting World, camiseta Iceberg, calça Versace. Nos pés, um par de Pollini, e na cabeça, um boné, cujo nome eu desconhecia. O boné era apenas um detalhe que o autenticava representante do Japão afluente, excessivo e presunçoso daqueles anos.
Como outros de sua geração, T vivia inebriado pelo sucesso e já não distinguia o que fosse o trabalho da especulação. Com 20 e poucos anos, abriu sua importadora de grifes, expandindo seus negócios de Tóquio a Osaka. Depois, estendeu a outros produtos de luxo, como carros, móveis e decorações, para saciar os vorazes consumidores, embriagados pela riqueza fácil. Aventurou-se até mesmo no mercado de arte, sem nunca ter ouvido falar de Marc Chagall ou Roy Lichtenstein. Com pesado e contínuo investimento assinado pela mãe, a maior protrocinadadora de suas extravagâncias.
Em 92, como era previsível, T não se safou do arrastão da crise financeira internacional. Entre credores, yakuzas, bancos e agiotas, lhe restou apenas o amor de mãe. Complacente com o filho que perdera seus brinquedos, abriu novas fontes de dinheiro, decretando uma sequência de declínio sem retorno. Desta vez, envolvendo toda a família. Consignou terrenos, casas, bens móveis, a fábrica da família e enfim, a casa onde moravam. Com a morte do avô, hipotecou também um prédio com 20 apartamentos, construído tijolo por tijolo em seus anos de saúde. E por fim, concedeu a própria dignidade.
T perambula pelas ruas de Nagoya há mais de 10 anos. Sua instabilidade psíquica não permite um emprego estável e vive de pequenas contribuições de amigos. Para pegar o trem, comer um prato quente ou comprar um remédio. Seus pais vivem hoje num minúsculo apartamento alugado, sem um banheiro interno.
Na foto, vejo seus sorrisos vazios. Fico pensando se esta crise de 2008 tenha algo mais a subtrair de suas vidas.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
sábado, 20 de dezembro de 2008
Bike
A primeira meia hora é grátis. Depois, custa € 0,50 cada meia hora sucessiva, num total de até 2 horas de aluguel.
Desta vez, a prefeitura não pretende levar o cano. O cadastro exige o uso do cartão de crédito para evitar o sumiço das bikes, como nos projetos anteriores.
Eu pretendo pedalar só depois da primavera. O frio está de rachar.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Mottainai
Comecei ontem uma pequena parte da Grande Limpeza de fim de ano.
Na seleção do que é últil do inútil, me lembrei desta expressão japonesa, recorrente no vocabulário da minha mãe. Não me permitia que eu jogasse fora qualquer objeto sem a prévia aprovação sua. Passara por grandes privações quando jovem, era natural.
No seu juízo de valores, estava embutida a dignidade do trabalho e do suor de quem o produziu. E de quem o comprou. E lhe destinava sempre uma nova função, prolongando o seu ciclo de vida.
Um potinho de margarina virava porta-sabão. Uma lata de biscoitos protegia seus temperos. Um prato lascado terminava debaixo de seus vasos. A reciclagem era doméstica.
Ainda não descí com o lixo que produzí ontem. Estou esperando passar o meu remorso.
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Lapsus Linguae
Uns 15 ou tantos anos atrás, me improvisei intérprete de um empresário japonês loiro, que viera recrutar profissionais de hotelaria e cozinha, dispostos a comandar seus fornos no Japão. Era proprietário de uma pequena rede de restaurantes de cozinha italiana em Tóquio.
Ao receber seu cartão de visita hesitei. Não eram meus óculos, estava alí, em negrito e em corpo 18: Ristorante “Santo Domani”. Tentei ampliar meus conceitos. Uma suposta metáfora alusiva à esperança do amanhã? Um santo novo de alguma vertente anarco-cristã? Um pequeno lapso do impressor míope? Não, era Santo Amanhã. Mesmo.
Entre embaraço e desconforto com candidatos, passei 3 dias tentando dissuadi-lo a mudar de nome assim que retornasse ao Japão. Tentei convencê-lo de que o substantivo “amanhã”, beatificado santo, não constava em nenhuma página da mais remota fantasia cristã e nem figurava alguma gravura de obscura imaginação medieval.
Mas a sonoridade de “domani” lhe agradava. E acertei na mosca, inspirava subjetivamente a esperança, a confiança. O país evocava a Igreja, e por extensão, tudo terminava em santo, - o que não seria de tudo inexato.
Em todo o caso, era tarde. Sua rede já era conhecida nas redondezas de Shibuya. Eu até pude visualizar o letreiro luminoso, com bandeira italiana ao lado, declarando escancaradamente os atributos culturais do seu proprietário.
Cartões de visitas, materiais publicitários e todos os utensílios de mesa também já estavam devidamente personalizados, gravados e bordados para sempre. Em gótico, para dar aquele toque de requinte europeu. Só lhe faltava levar bons chefs, de olhos grandes e verdes, para convencer a autenticidade da casa.
O fato é que no último dia, me fez acompanhá-lo numa daquelas lojas de quinquilharias do centro, onde vendem objetos antigos e raros, cuidadosamente envelhecidos em alguma fábrica de Shenzhen. Serviam para dar um toque de histórico na decoração.
Queria também imprimir um documento heráldico. Daqueles em falso papiro com brasão, que os turistas adoram. Com genealogia completa da remota linhagem e títulos nobiliares, com espaço apenas para preencher o nome de família. Não me deu ouvidos nem desta vez. Imprimiu 4 cópias com o nome Restaurante Santo Amanhã. Exibiria no hall de cada uma de suas filiais.
“Pintam placa-se”. Lembrei deste singelo letreiro que um amigo presenciou há muitos anos. Condescendente sim, mas não com um empresário que veio do Primeiro Mundo, raios.
domingo, 14 de dezembro de 2008
Eufemismos
O espumante já está comprado.
Faltam 37 dias para terminar o ano velho. Não o do calendário gregoriano. Mas o do maquiavélico empreendedor Dick Cheney, acionista majoritário da empresa Casa Branca S.A. E de seus altos executivos como Bush, Wolfowitz, Perle, Rumsfeld e tantos outros minoritários. O novo ano começa no dia 20 de janeiro, com a posse de Obama.
Pena que o motoboy da filial européia, o Berlusconi, ainda permaneça esquentando a poltrona por aqui. Porque Jose Maria Aznar, a sua corruptela espanhola, já chispou há dois anos do panorama local. Quem diria, aqueles bravos eleitores espanhóis. Aqui, com Berlusconi, ainda vale a absolvição retroativa do “rouba, mas faz”.
É também pela esperança do fim do eufemismo associado a figuras acima que quero preparar o meu espumante. O fim da manipulação de palavras, que ofendem a inteligência comum, como Guerra Preventiva, Vítimas Colaterias, Bombardeio Defensivo ou Prisões Cautelares.
Mas há novos eufemismos à espreita, para ofuscar nossas visões. Desta vez, confundindo-se aos jargões econômicos.
Há algumas semanas, ao anunciar o corte de quase 2 mil funcionários, um alto executivo de uma empresa fornecedora de casas automobilísticas batizou a demissão de “Filosofia de Forças Especiais”. Mais criativo foi a American Express, dias atrás. Chamou de “Plano de Melhoramento de Custos”, para dizer “Rua!” aos seus 7 mil empregados.
sábado, 13 de dezembro de 2008
Mesa globalizada
Ontem à tarde, passei na importadora de um chinês apenas para comprar um litro de shoyu, molho do qual não renuncio por nada. Mas como é previsível, saí de lá com todos estes produtos acima.
A loja é uma arapuca e é difícil conter a tentação. Ela fica no China Town milanês e suas gôndolas são a representação da Torre de Babel. Um pouco de cada 5 continentes, com predominância asiática. Talvez um dos raros aspetos positivos desta globalização.
O leite condensado é produzido pela Nestlé Holanda. O seu rótulo é escrito em holandês, árabe, alemão, sueco, norueguês(?) e inglês. Seu sabor é tal qual o Leite Moça do Brasil e paguei €1,80 (R$6,00) por ela. Mas seus maiores consumidores na Itália são os filipinos, dizia um dos funcionários.
Já os produtos japoneses provêm diretamente do Japão. Paguei € 3,40 (R$ 11,00) pelas míseras porções de apenas 150 gr de natto, enquanto o litro de shoyu custou € 5,80 (quase R$ 20,00) e o missô a € 4,20 (quase R$ 14,00).
Os produtos japoneses ainda permaneciam no câmbio anterior, das vésperas da crise internacional, quando o euro valia cerca de 160 yens. É apenas o resultado do poder de compra desta importadora. O consumo de ingredientes japoneses aumentou vertiginosamente nos últimos anos, com a tardia moda da cozinha japonesa na Itália. O que mais se encontra hoje no país são restaurantes japoneses.
Mas não se enganem. São de chineses residentes na país, que abandonaram a própria cozinha para substituí-la com a japonesa, muito mais lucrativa. De cada 10 restaurantes japoneses na Itália, 9 são comandados por chineses, que nunca pisaram o solo japonês. Não é raro tomar uma sopa de missoshiru com pedaços de pimentão dentro.
Seus nomes? “Ristorante Giapponese Ling Yu Wen”, “Trattoria Sayonara”, “Sushi Bar Wei Hu Tao”, “Sushi Bar Samurai”, apenas para ilustrar alguns.
Para finalizar, seguem os preços do meu pequeno luxo deste fim-de-semana:
Guaraná Antártica: € 2,50 (R$ 8,00) em garrafa de 1,5 litro.
Farinha de milho: € 1,00 (pouco mais de R$ 3,00)
Wasabi: € 3,80 (R$ 12,00)
Alga Nori, com 5 folhas: € 4,50 (R$ 15,00).
PS: Este post foi escrito quase exclusivamente para uma pessoa que há 30 anos vive no Japão e não resiste à curiosidade da chamada "Gastronomia na Economia Comparada", matéria da qual é expert. Ela sabe a quem me refiro.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Funeral
Fui a um funeral ontem. Foi-se um amigo, o Fariolli, garotão milanês de 78 anos.
Infarto, e não enfarte, como costumo confundir. É indiferente, pois se foi.
Eu o conheci em 89. Então, a minha inexperiência no novo ambiente de trabalho chegava a ser constrangedora. Uma compra negligente era decretar a própria morte. Mas intuí sua honestidade logo no primeiro encontro.
Desde então, sempre trabalhamos juntos. Lotes de Armani, Prada, Dolce e Gabbana e dezenas de outras marcas de moda. Que ele sempre as chamava de “stracci” (farrapos, panos de chão). "È tutta robaccia!", tudo porcaria, repetia sempre.
Com milhares de roupas à disposição, estava sempre com o mesmo e velho cardigan, todo desfiado. Ainda que fosse de Missoni.
Não era falsa modéstia. Nem desejo de ostentação ao avesso. Havia iniciado neste setor nos anos 60, “quando Versace era um moleque, e vinha acompanhado de sua mãe, uma costureira”, repetia sempre. Talvez estivesse cansado de tudo isso.
Ele se foi.
Eu fico por aqui. Dependo dessas “porcarias” para continuar a pagar minhas contas.
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
As catedrais
Ontem foi feriado aquí. Um frio de rachar a pele, mas o dia amanheceu ensolarado e sem uma nuvem no horizonte.
Uma caminhada para esticar meus músculos me fez voltar para casa com esta imagem.
A propósito, batí esta foto por volta das 11 da manhã. Para completar a meticulosidade de Monet, registro as luzes de um gélido sol de fim de outuno. Só não a fiz de dentro de um quarto de aluguel, como ele.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Papaya e manga
- Papaya e manga importadas, para matar a saudade.
Por alguma razão desconhecida, comprei esta esta manga e papaya a um preço incrivelmente barato, para a realidade local. Benevolência natalina? Não sei dizer.
Custou €1,59 cada uma, e estão perfeitas. Traduzido em Real, algo em torno a R$ 5,00 cada uma, segundo o câmbio médio da semana. Total das 2 frutas: cerca de R$ 10,00.
Ainda estão verdes, mas depois desta foto, embrulhei-as numa folha de jornal, para acelerar a maturação.
A manga é made in Brazil. “Mango ES – Brazil –Jatinã”, diz a etiqueta. O ES estará para Espírito Santo? Desconheço a proveniência da papaya, pois não traz nem menos uma etiqueta.
A melhor manga que comí em toda a minha vida foi na casa da minha avó, em Pindamonhangaba. Nos anos 60, nos meus 8 a 10 anos de idade. Havia um pé farto e verdejante, carregado de manga-coquinho. Havia também um pé de manga-espada, mas preferia a menor.
Pudera fazer os estrangeiros do hemisfério norte provarem as mangas menores, as melhores para mim. As do tipo exportação que chegam aquí são grandes e perfeitas, cujos tamanhos parecem medidos milimetricamente para superar as barreiras comerciais.
Eu ainda prefeiro as frutas colhidas nos quintais. Desiguais, imperfeitas ou bicadas por passarinhos. Porque há mais sabor de terra.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Jazz no Blue Note
Chick Korea, na noite de abertura.
Estamos em dezembro, e há muitos anos me instiga o desejo de passar um reveillon tranquilo, aquí, ao som de saxofone e piano. Longe dos enfadonhos comes-e-bebes com os parentes. E longe das arruaças e fogos de artifícios das madrugadas geladas.
sábado, 6 de dezembro de 2008
Boca-de-leão (Anthirrinum Majus)
Foto: A flor que resiste a tudo por viver.
Trouxe as sementes desta boca-de-leão do Brasil e plantei-as num vaso, no início de agosto. Aquí também encontramos suas sementes. Afinal, ela é originária do Mediterrâneo e do norte da África.
Mas insistí em trazê-las do Brasil, já que lá, chegam a exuberante 1 metro e meio de altura, enquanto as sementes locais me garantem no máximo 60 cm. No clima brasileiro, suas flores exibem coroas maiores e mais fartas, coloridas e vigorosas durante o seu período de máximo esplendor. Eu as plantei decretando a sua morte, prevendo já o gélido outono que estava por vir.
No final de outubro, suas folhas resistiram verdejantes, mas sem um mínimo sinal de botões. Esterilidade a causa do frio. Não podia abrigá-la dentro de casa, por ser uma planta externa que requer raios de sol, ainda que fôssem minguados.
Estamos em dezembro, e a pobre criatura já resistiu a duas tempestades de neve, chuvas e fortes ventos que marcaram o mês de novembro. Hoje, por exemplo, faz 3 graus lá fora.
Mas milagres acontecem. Faz 3 dias que o primeiro e único botão se abriu, como se vê nesta foto. Contradizendo todas as regras da natureza.
Ela é uma estrangeira, que deseja apenas a dignidade de florecer, mesmo sobre um solo que lhe é hostil. E me ensina que não há adversidade ou intempérie que possa frear a sua sede de viver.
Santiago, Chile
Mal pousamos nossas bagagens no hotel, e fomos diretamente ao mercado, que a um quarteirão de distância, já odorava de Pacífico.
“Uni, señorita?”. “Tenemos ウニ、安いですよ!”, pipocavam vozes em japonês, com sotaque espanhol, ao me verem com a inegável feição oriental.
Não me lembro quanto pagamos, quanto menos o câmbio com o euro, real ou dólar. Pouco me importava do valor. Sabia apenas que era barato.
Entramos num cubículo, onde os garçons já haviam determinado o nosso pedido. 「ウニ、美味しいですよ!」. Pedimos as ovas, que vieram acompanhadas de limão siciliano, azeite e coentro picado. A cada porção que levávamos à boca equivalia a um orgasmo. Tudo com um bom Cabernet Sauvignon chileno.
Os 4 dias em que permanecemos na cidade, dispensamos o café-da-manhã do hotel. Acordávamos cedo e deixávamos o hotel para trás, sob o frio de cortar os ossos daquele mês de julho. Às 7:30 da manhã, já estávamos no mercado, para devorar uma sopa quente como aquela da 1a foto, acima. Aquele era o habitual café-da-manhã dos carregadores e caminhoneiros locais.
Com o corpo aquecido, pegávamos o caminho de volta para o hotel, onde os hóspedes mal começavam a descer para o café-da-manhã. Tomávamos apenas uma xícara de café americano, antes de sair novamente para a rua. Só então nos sentíamos prontos, para começar o dia. E pensar nas poesias de Pablo Neruda.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Luzes de Signac
- Paul Signac - "The Dining Room" - 1886-87
Semana passada, fui a uma mostra de Seurat, Signac, Pissarro e seus amigos. Saí de lá pensando no efêmero mundo da luz. De que basta o ponteiro do relógio mover-se de apenas um ou dois dígitos para que respingos de novas cores estabeleçam um distinto tempo. Como as várias versões de “Catedral de Rouen”, que Monet realizou em seus diferentes momentos do dia.
Acordamos e dormimos milhares de vezes, mas somos incapazes de distinguir que cores compõem o nosso dia-a-dia.